Hannah
Arendt, filósofa política alemã, judia, que viveu no século XX e que foi
fortemente marcada pelo quadro de destruição constituído pelas atrocidades
sofridas pela humanidade, principalmente no período das duas grandes guerras.
Assim, o pensamento arendtiano se constitui numa “oportunidade de reconstrução”
da política no mundo pós-totalitário, pois busca compreender tal sistema para
não só entender um fato ocorrido, mas, também, uma vez compreendendo-o, evitar
que a humanidade caia na reincidência do mesmo.
Hannah Arendt (1906-1975) dedicou-se à ciência política sendo aluna do
filósofo Martin Heidegger (1889-1976). Ao adotar uma perspectiva liberal, que
não se alinhava com os extremos ideológicos, Arendt construiu um pensamento
independente e crítico, até mesmo, às vezes, em relação a grupos com os quais
compartilhava ideias, como os sionistas e a esquerda não marxista.
Como uma cientista política interessada no fenômeno do pensamento e no modo
como ele opera em “tempos sombrios”, Arendt ocupou-se também do ensino quando as
salas de aula nos Estados Unidos – para onde se mudou em 1940 – se viam
invadidas por questões sociais como a violência, o conflito de gerações e o
racismo. “A função da escola é ensinar às crianças como o mundo é, e não
instruí-las na arte de viver”, escreve Arendt. Sua argumentação é a favor da
autoridade na sala de aula e sua visão educativa é assumidamente conservadora
acreditando que o aluno deve ser apresentado ao mundo e estimulado a
mudá-lo.
Hannah Arendt defendia que os adultos têm dois tipos de obrigação em
relação às crianças. Uma recai sobre a família, responsável pelo “bem-estar
vital” de seus filhos. Outra fica a cargo da escola, a quem cabe o “livre
desenvolvimento de qualidades e talentos pessoais”. Ela acusa a educação
praticada nos Estados Unidos à época da publicação do artigo de abrir mão de
sua função ao rejeitar a autoridade que decorre dela. “Qualquer pessoa que se
recuse a assumir a responsabilidade coletiva pelo mundo não deveria ter
crianças e é preciso proibi-la de tomar parte na educação”, escreve Arendt.
Arendt defendia o conservadorismo na educação, mas não na política a
qual deveria se renovar constantemente, movido pelos objetivos da igualdade e
da liberdade civil. Ao reivindicar a total separação entre política e educação,
Arendt rejeita linhas de pensamento que partem de filósofos como Platão (427-347 a.C.) e Jean-Jacques
Rousseau (1712-1778).
A preocupação com a perda da “tradição”, definida como “o fio que nos
guia com segurança através dos vastos domínios do passado”, foi o que levou
Arendt a escrever sobre educação. A relação entre crianças e adultos não pode,
segundo ela, ficar restrita “à ciência específica da pedagogia”, já que se
trata de preservar o patrimônio global da humanidade. “A educação é o ponto em
que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos a responsabilidade
por ele”, escreve Arendt, acrescentando que “a educação é, também, onde
decidimos se amamos nossas crianças o bastante para não expulsá-las de nosso
mundo e abandoná-las a seus próprios recursos”.
No ano de 1961, ela foi enviada a Israel para cobrir o julgamento
do alto burocrata nazista Adolf Eichmann. No livro Eichmann em Jerusalém, a
pensadora cunhou a expressão que a celebrizou: “a banalidade do mal”, em
referência aos códigos aparentemente lógicos e até sensatos com que o
totalitarismo se propaga e ganha poder. Em Eichmann, um homem de aparência
equilibrada e comum, Arendt identificou alguém habituado a não pensar. Os
perigos da irreflexão, como sinal de alienação da realidade, constituem um dos
principais eixos de uma obra que pode trazer contribuições para a educação em
muitos aspectos.
“(...) permanece também a verdade de que cada
fim na história contém um novo início; esse início é a promessa, a única
‘mensagem’ que o fim pode produzir. O início, antes de se tornar um evento
histórico, é a suprema capacidade do homem; politicamente, é idêntica à
liberdade do homem. Initium ut esset homo creatus est – ‘para que houvesse um
início, o homem foi criado’, disse Agostinho (A cidade de Deus, livro 12,
cap.20). Esse início é garantido por cada novo nascimento; é, de fato, cada
homem”. Hannah Arendt
Arendt
demonstra que a verdade não pode se estabelecer rejeitando a opinião; a verdade
válida para todos em qualquer circunstância e lugar, não é possível aos mortais.
Por isso é necessário ver em cada opinião a verdade.
A
pluralidade expressa na opinião se manifesta em todo fazer humano. Assim, a
política enquanto expressão do ser entre-os-homens, no fazer comum, se baseia,
portanto, nessa pluralidade porque esta é a condição para o emergir da ação.
Por isso, a ação está ligada à diversidade de possibilidades presente no novo,
expresso no nascimento. Atentando para o significado da palavra, Arendt
demonstra que os homens, ao nascerem, são iniciadores de algo (são impelidos a
agir); e, como cada ser humano é uma singularidade, dele se pode esperar o infinitamente
improvável, porque cada nascimento é algo singular, portanto, é algo novo. Agir
significa tomar iniciativa, iniciar (do grego archein, “começar” e, finalmente,
“governar”). Trata-se de um início que difere do início do mundo, pois é o
início de alguém que é, ele próprio, um iniciador. A ação, baseada nessa
diversidade promovida pelo totalmente novo de cada nascimento, preza pela
liberdade, uma vez que aquela só é possível por meio do encontro entre sujeitos
livres; que se apresentam ao mundo por meio da ação e do discurso, e, por meio
destes, buscam a imortalidade. Assim, apresentar-se por meio da ação e do
discurso é revelar ao mundo a própria identidade; aparecer no “palco da
existência”, de modo que a realidade do mundo passa a ser assegurada pela
presença do outro.
A
ação política surge como uma necessidade de diálogo entre estas
“universalidades particulares” que são os homens, pois, estes, precisam chegar
a um acordo sobre o viver comum, o ser-em-comum; portanto, deve derivar do
relacionamento entre os homens. Assim, “a política trata da convivência entre
diferentes. Os homens se organizam politicamente para certas coisas em comum,
essenciais num caos absoluto, ou a partir do caos absoluto das diferenças”.
(ARENDT, 2002, p. 21-22)
Insta
salientar a relevância que Hannah Arendt atribui à dimensão do diálogo, pois,
para que este exista, é preciso que prevaleçam alguns critérios: seres de
capacidade racional - simbólica, portanto humanos; livres, que se entendam
entre si e se manifestam, portanto, iguais e que, ao mesmo tempo, apresentam
diversidade de ideias, pensamentos, modos de ser, entre outros, que formam
identidades diversas. Portanto, entre seres, paradoxalmente “igualmente
plurais”. A pluralidade humana, condição básica da ação e do discurso, tem o
duplo aspecto da igualdade e da distinção. Se não fossem iguais, os homens não
poderiam compreender uns aos outros e os que vieram antes deles, nem fazer
planos para o futuro, nem prever as necessidades daqueles que virão depois
deles. Se não fossem distintos, sendo cada ser humano distinto de qualquer
outro que é, foi ou será, não precisariam do discurso nem da ação para se
fazerem compreender. Sinais e sons seriam suficientes para a comunicação
imediata de necessidades e carências idênticas. (ARENDT, 2010, p. 219-220) A
política, nesta dimensão, tem como sentido a liberdade. Portanto, ela só é
possível por meio da reunião e discussão de seres igualmente livres e diversos,
que chegam a um acordo comum para a convivência.
Embora
Hannah Arendt elenque pilares sólidos para o totalitarismo, tirados do decorrer
da história, ela não busca apresentar elementos que na processualidade da
mesma, necessariamente, levariam ao surgimento de Estados Totalitários; mas seu
intuito é investigar elementos históricos que se consolidaram no Totalitarismo
e que, nos campos de concentração, encontram a sua radicalidade evidenciada em
seus máximos níveis. Os campos de concentração foram a concretização máxima
destas ideologias; pois foi a instituição cerne do poder organizacional deste
regime.
Os
campos de concentração e de extermínio dos regimes totalitários servem como
laboratórios onde se demonstra a crença fundamental do totalitarismo de que
tudo é possível. Comparadas a esta, todas as outras experiências têm importância
secundária (...). (ARENDT, 1989, p. 488) Desta forma, a partir das marcas
deixadas pela ruptura totalitária, das quais nunca a humanidade pode esquecer,
além da compreensão deste fenômeno, é preciso que, no mundo pós-totalitário, se
garanta aos seres humanos direitos a partir de sua condição.
Ao
contrário do que diz o artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos
da ONU (1948), ou seja, que todos nascemos livres e iguais em dignidade e
direitos, Arendt demonstra que: Nós não nascemos iguais: nós nos tornamos
iguais como membros de uma coletividade em virtude de uma decisão conjunta que
garante a todos direitos iguais. Portanto, ao perceber que esta igualdade é
construída e legitimada pela coletividade, verifica-se a necessidade
institucional para a existência destes direitos que atribuem ao ser humano este
caráter isonômico. Assim, os direitos humanos carregam como fundamento uma
noção de cidadania como princípio do “direito a ter direitos”, pois a privação
da mesma, afeta o homem substantivamente; uma vez que, faz com que ele perca o
seu estatuto político, suas qualidades acidentais. Para Arendt, assegurar
direitos aos homens é contribuir para a preservação do mundo como local
privilegiado da liberdade.
Estabelecer
direitos para o ser humano, que lhe garantam a sua peculiar forma de existir no
mundo, se faz necessário frente a este universo de possibilidades a partir das
quais se concretiza a história. Assim, a política ganha espaço para existir em
seu sentido pleno.
Hannah
Arendt exerce uma função fundamental onde, ao remontar à práxis política grega,
demonstra que o verdadeiro sentido da política é, expressamente, a liberdade.
Assim, uma dominação total, como se caracteriza a busca empreendida pelo poder
totalitário, não pode existir num espaço marcado pela política em seu sentido
pleno, ou seja, na liberdade originada pela igualdade plural de ser num espaço comum.
Portanto, se faz necessário o “esquecimento” da política para a legitimação de
um poder totalitário.
Assim,
a sociedade de massas traz como característica pessoas que não vivem juntas por
interesses comuns, ou para construírem juntas um espaço de liberdade; mas sim
e, unicamente, para a saciedade de suas necessidades ligadas à sobrevivência
individual e da espécie. São politicamente indiferentes, neutras, em grandes
números e não podem ser reunidas em uma organização que defenda algum interesse
comum. O espaço público, desta sociedade, é dominado pelas relações comerciais
de produção e consumo em massa, onde o trabalho, tido como fonte produtora de
riquezas, é atribuído de maneira essencialista ao ser humano, de modo que o
indivíduo, destituído de sua singularidade, se mistura aos bens materiais que
produz.
O
pensamento de Hannah Arendt demonstra que o convite feito pela política, desde
seu surgimento, é a radical democracia, lugar em que o poder se faz pela
capacidade de ação em conjunto; onde, agir em conjunto não significa somente
cuidar de si mesmo (como propõe o modelo político originado pela inversão
moderna), mas a partir de uma vida em comum, criando possibilidade de
existência para todos, tanto para os que já estão, quanto para aqueles que,
pelo seu ineditismo, aparecem no “palco da existência”.
Referências
bibliográficas
ARENDT, Hannah. A condição
humana. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010. 406p.
_________. Compreender:
ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. 490p.
_________.Entre o passado e
o futuro. 6 ed. São Paulo: Perspectiva, 2009. 348p.
_________. O que é política?
3 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. 238p.
_________. Origens do Totalitarismo. São
Paulo: Companhia das Letras, 1989. 562p.