quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Excludentes de Ilicitude

Maria Rosilene de Moraes[1]


RESUMO


Este artigo tem como objetivo pesquisar as causas excludentes de ilicitude, previstas expressamente em nosso ordenamento jurídico, no Código Penal Brasileiro, em seu artigo 23 procurando enfatizar a sua legalidade e eficácia na realidade brasileira. A retirada excepcional do caráter antijurídico de uma conduta tipificada como criminosa é a exclusão de ilicitude. Ilicitude essa que é tudo que é contrário ao direito, à lei. As causas excludentes de ilicitude podem isentar um indivíduo da ilicitude de um fato praticado por um indivíduo que o pratica sob determinadas circunstâncias. Essas causas que isentam de crime são: estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento de dever legal e exercício regular de direito.



PALAVRAS-CHAVE: excludente de ilicitude, crime, direito, lei




"Se as coisas são inatingíveis... ora! Não é motivo para não querê-las... Que triste os caminhos, se não fora a presença distante das estrelas!".
                                                                                                                   Mário Quintana





1.      Introdução


Tudo o que a lei proíbe é ilícito. A Ilicitude representa tudo o que contrário ao direito, à lei. Significa dizer que todo crime é ilícito, pois é contrário ao estipulado na lei para instruir o comportamento das pessoas.

No entanto, mesmo sendo todo crime, a priori, considerado um ato ilícito, há situações criminosas (condutas expressamente proibidas pela lei), em que a conduta do agente não será considerada ilícita. São as chamadas "excludentes da ilicitude". São causas previstas expressamente em nosso ordenamento jurídico, no Código Penal em seu artigo 23, tendendo a possibilitar a isentar um indivíduo da ilicitude de um fato, quando praticado sob determinadas circunstâncias. Essas causas excludentes da ilicitude são quatro, a saber: estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento de dever legal ou exercício regular de direito.

O Código Penal Brasileiro, em seu artigo 23, enumera as causas excludentes de ilicitude:
·                Estado de necessidade — quando o autor pratica a conduta para salvar de perigo atual direito próprio ou alheio.
·                Legítima defesa — consiste em repelir moderadamente injusta agressão a si próprio ou a outra pessoa.
·                Estrito cumprimento de dever legal — quando o autor tem o dever de agir e o faz de acordo com determinação legal.
·                Exercício regular de direito — consiste na atuação do agente dentro dos limites conferidos pelo ordenamento legal.
Insta dizer que o agente, em qualquer das hipóteses acima citadas, responderá pelo excesso doloso ou culposo. A primeira delas está definida no artigo 23, I, e conceituada no artigo 24, ao passo que a segunda está conceituada no artigo 25. As demais não foram conceituadas, restando apenas a doutrina.
Este artigo busca mostrar as diferenças mais pertinentes entre as excludentes de ilicitude através de se compreender o porquê da exclusão de um dos elementos do crime realizada por cada uma das descriminantes e de um possível excesso contido nelas, e, neste caso, o agente responde por eles. Foi realizada uma pesquisa bibliográfica no âmbito penal esperando que possa contribuir para a formação de futuros juristas cientes da não punição do agente mediante a exclusão de um dos elementos do crime, da forma como isto acontece.

2.      Definição de ilicitude

2.1.            Ilicitude formal
A ilicitude é a contradição da norma ao ordenamento jurídico. A conduta, por ação ou omissão, torna-se ilícita, constituindo a ilicitude formal. Insta destacar que, o fato típico é, antes de mais nada, ilícito. Um fato típico não é caracterizado como ilícito quando há a presença de pelo menos uma das quatro excludentes legais de ilicitude.
2.2.            Ilicitude material
A ilicitude material, no entanto, é a contrariedade da norma ao sentimento comum de justiça da coletividade. Segundo Rogério Grego:
“A tipicidade, segundo a teoria da ratio cognoscendi, que prevalece entre os doutrinadores, exerce uma função indiciária da ilicitude. Segundo essa teoria, quando o fato for típico, provavelmente também será antijurídico (...). A regra, segundo a teoria da ratio cognoscendi, é a de que quase sempre o fato típico também será antijurídico, somente se concluído pela licitude da conduta típica quando o agente atuar amparado por uma causa de justificação (GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral. 7. ed. v. I. Rio de Janeiro: Impetus, 2006. 823 p.). 
A distinção existente entre antijuricidade e injusto certamente é que a primeira é a contradição à norma penal, e a segunda é a conduta ilícita propriamente dita.

3.      Histórico das causas excludentes de ilicitude

A luta pela sobrevivência tem marcado a existência do homem desde os primórdios, exigindo a criação do Estado para dirimir atritos, o qual tem poderes para  dirigir o comportamento humano. O homem sempre se viu diante das dificuldades da vida, e por isso, foi obrigado desde a era primitiva a se defender contra as ameaças ao seu redor para que pudesse ter um mínimo de tranquilidade. Destarte estabeleceu uma forma de resolução de atritos interpessoais, o Estado, que regeria o comportamento do homem por meio de regras e normas, principalmente pela convivência da vida grupal. É o surgimento do Direito Penal que, com certeza penalizada a quem causasse mal aos da sua espécie. Segundo Paulo José da Costa Junior verifica-se:
“O primeiro direito a surgir foi o penal. A pena reservava inicialmente a vingança privada da própria vítima, de seus parentes ou do agrupamento social (tribo) a que pertencia. A reação costumava superar em muito a agressão, a menos que o transgressor fosse membro da tribo. Era então punido com o banimento, que o deixava entregue à sorte de outros agrupamentos.” (COSTA JÚNIOR, Paulo José. Direito Penal: curso completo. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. 772 p.)
A necessidade de punir surgiu quando alguém praticava algum ato contrário a algum interesse dos membros do grupo, que se tenha colocado contra algum valor individual ou coletivo (constituindo uma proteção dos bens jurídicos reconhecidos pelo direito), ou para manter a paz social. Um complexo de normas disciplinadoras que estabeleciam regras essenciais à convivência foi criado, como define José Frederico Marques:
“Chama-se regra social àquela que uma sociedade elabora para fazer imperar o direito e impor a seus membros a noção do justo e do injusto que nela predomina. Com a forma imperativa que lhe dá a comunidade política, a norma social assim elaborada adquire positividade jurídica, impondo-se à obediência de todos.” (MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal. 1. ed. v. 1. São Paulo: Millennium, 2002.)
Assim, quando uma conduta, seja por ação ou omissão, viola bem jurídico, surge para o estado o jus puniendi. Para Prado (1997, p. 18) “o bem jurídico em sentido amplo é tudo aquilo que tem valor para o seu humano” (PRADO, Luiz Régis. Bem jurídico penal e constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.). De acordo com Toledo: “Bem em um sentido mais amplo, é tudo aquilo que nos apresenta como digno, útil, necessário valioso [...] Os bens são, pois, coisas reais, ou objeto ideal dotado de ‘valor’, isto é, coisas materiais e objetos imateriais que além de ser o que são, valem“.(TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. 5. ed. v. 1. São Paulo: Saraiva. 1994, p. 15)
Em algumas circunstâncias muito especiais, permite-se comportamento de alguém contrário aos bens que normalmente são protegidos, e esta contradição é considerada justa. Essas são as chamadas de causas de exclusão da ilicitude.
Em especialíssimas circunstâncias, o Direito satisfazendo a vontade da sociedade, permite o homem se comportamento contrariamente a bens que, normalmente são protegidos pelo próprio Direito. Causas de exclusão da ilicitude são as mesmas chamadas causas de justificação, justificativas, excludentes, eximentes,
Algumas legislações como o Código de Manu (Índia), no Egito (Cinco Livros), na China (Livro das Cinco Penas), na Pérsia (Avesta), em Israel (Pentateuco) e na Babilônia (Hamurabi) deram origem às excludentes de ilicitude em todo o mundo.
4.             A legalidade das causas excludentes de ilicitude

Várias correntes doutrinárias surgem quando se abordo uma matéria do Direito Penal para proporcionar ao aplicador do Direito a aplicação e adequação do fato real às normas criadas pelo legislador por vezes impondo sanções, outras vezes excluindo a ilicitude do fato. Insta salientar que sempre o Estado é quem detém o poder de aplicar sanções.
Pode-se citar o artigo 1º do Código Penal quando se trata de qualquer tema penal, in verbis: “Art. 1º Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia comunicação legal.” Norteador do Direito Penal, tal princípio é garantidor da própria aplicação da Lei Penal nas nações democráticas, pois será considerado crime, se e somente se aquela conduta é considerada típica pelo legislador.
O Direito Penal é um controlador social formal do Estado, sendo de sua competência prever sanções a condutas humanas atípicas, ilícitas ou antijurídicas e culpável, bem como possibilitar a existência de um processo que se desenvolva de acordo com a legalidade. O Direito Penal, não pode, portanto ser desenfreado, arbitrário, sem limites devendo estar submetido, ao princípio da legalidade e à garantia dos Direitos Fundamentais do cidadão.
A legalidade mostra sua importância na própria Constituição de 1988, inscrita no inciso art. 5º, XXXIX cujo preceito se repete no artigo 1º do Código Penal, como cláusula pétrea.
Ao garantir que a lei deve ser anterior ao crime, e prévia, com relação à pena (retroatividade da lei penal incriminador), significa que a lei penal admite a sua retroatividade apenas se for para beneficiar o réu, nunca para prejudica-lo.
Como assim o é, maior razão ainda para as chamadas excludentes de ilicitude ou antijuridicidade, tendo em vista, que apenas a lei penal pode definir quais são aqueles atos que não constituem crime, conforme definido no artigo 23 do Código Penal, in verbis:
Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato:
I – em estado de necessidade
II – em legítima defesa,
III – em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular de direito.”
Parágrafo único - O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.


5.             As causas excludentes de ilicitude

De acordo com o artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil ((Decreto-Lei nº 4657/42), o juiz pode decidir conforme a analogia, costumes e os princípios gerais do direito, reconhecendo a excludente, embora não esteja expressa em lei (DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil. Ed. Saraiva. 11ª ed., p. 139)
O direito prevê causas que excluem a ilicitude, mas não excluem também a tipicidade. No entanto, estas normas eliminam aquela. Não há fato típico sem a antijuridicidade. O Código Penal Brasileiro em seu artigo 23 cita a expressão “não há crime” em que a conduta é mediante o estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento de dever legal e exercício regular de direito. É importante salientar que as normas permissivas não estão somente instituídas na Parte Geral do Código Penal, mas também na Parte Especial, v.g., o artigo 128 e 142.

5.1.       Estado de Necessidade


O estado de necessidade disposto no artigo 24 caracteriza-o pelo fato de uma pessoa, para salvar um bem juridicamente protegido (direito) próprio ou alheio, exposto a perigo atual, sacrifica bem de outrem. Esta excludente impede a punição daquele que realiza um comportamento proibido numa situação de extrema necessidade. Há, portanto, nesta excludente um conflito de bem-interesses. A ordem jurídica considera a situação como legítima. São requisitos do estado de necessidade:
·               Existência de perigo atual: é aquele que está acontecendo. O agente não precisa que o perigo iminente se transforme em atual para que possa arguir o estado de necessidade
·               Ameaça a direito próprio ou alheio: abrange qualquer bem jurídico. A intervenção pode ocorrer para salvar direito de terceiro ou próprio.
·               Uma situação não provocada pelo agente: o perigo causado dolosamente ou culposamente impede a arguição do estado de necessidade.
·               Inevitabilidade do comportamento: somente se admite o sacrifício de um bem quando houver impossibilidade de outra conduta.
·               Razoabilidade do sacrifício: exige que o agente atue de acordo com o senso comum daquilo que é razoável.
·               Inexistência do dever legal de enfrentar o perigo: não pode arguir o estado de necessidade quem tinha dever legal de enfrentar o perigo
·               Conhecimento da situação justificante: se o agente desconhecia os pressupostos da excludente, o fato será considerado ilícito.
Segundo NUCCI, o agente que exceder na sua conduta inicialmente justificada responderá pelo excesso doloso (consciente) ou culposo (inconsciente). (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: parte geral e especial. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. 1072 p.)

5.2.       Legítima Defesa


O Código penal Brasileiro em seu art. 23 dispõe sobre a legítima defesa a qual é conceituada no artigo 25 do mesmo código. É caracterizada por ser necessária a defesa utilizada contra uma agressão injusta, já acontecendo ou prestes a acontecer, contra direito próprio ou de terceiro observando-se o uso moderado, proporcional e necessário. De acordo com WELZEL, citado por BITENCOURT, quanto à excludente de legítima defesa “a ação de defesa é aquela executada com o propósito de defender-se da agressão. O que se defende tem de conhecer a agressão atual e ter a vontade de defender-se” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 12. ed. v.I. São Paulo: Saraiva, 2008. 320 p.). O indivíduo quando age em legítima defesa atua substituição do Estado.
Para alegar legítima defesa são necessários alguns requisitos, elencados por NORONHA:
·               Agressão atual e iminente e injusta: é toda agressão humana que ataca bem jurídico, contrária ao ordenamento jurídico;
·               Agressão a direito próprio ou alheio: a legítima defesa poderá ser defesa de direito alheio (de terceiro) ou defesa de direito próprio;
·               Moderação no emprego dos meios necessários: é necessário que haja proporcionalidade entre ataque e repulsa;
·               Conhecimento da situação justificante: a legítima defesa será descartada quando houver desconhecimento da situação justificante pelo agente. (NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal: parte geral. 37. ed. v. I. São Paulo: Saraiva, 2003. 387 p.) 
Ainda sobre a legítima defesa FABBRINI e MIRABETE relatam:
Deve o sujeito ser moderado na reação, ou seja, não ultrapassar o necessário para repeli-la. A legítima defesa, porém, é uma reação humana e não se pode medi-la com um transferidor, milimetricamente, quanto à proporcionalidade de defesa ao ataque sofrido pelo sujeito. Aquele que se defende não pode raciocinar friamente e pesar com perfeito e incomensurável critério essa proporcionalidade, pois no estado emocional em que se encontra não pode dispor de reflexão precisa para exercer sua defesa em equipolência completa com a agressão. Não se deve fazer, portanto, rígido confronto entre o mal sofrido e o mal causado pela reação, que pode ser sensivelmente superior ao primeiro, sem que por isso seja excluída a justificativa, e sim entre os meios defensivos que o agredido tinha a sua disposição e os meios empregados, devendo a reação ser aquilatada tendo em vista circunstância do caso, a personalidade do agressor, o meio ambiente etc. A defesa exercita-se desde a simples atitude de não permitir a lesão até a ofensiva violenta, dependendo das circunstâncias do fato, em razão do bem jurídico defendido e do tipo de crime em que a repulsa se enquadraria (FABBRINI, Renato; MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral. 24. ed. v. I. São Paulo: Atlas, 2008. p. 181). 
Caso a agressão seja injusta e o agente se exceder responderá por este excesso. Em decisão de 13 de junho de 1995, o ministro MELLO, do STF – Supremo Tribunal Federal assim se referiu:
“No recurso em sentido estrito, o Recorrente pleiteou o reconhecimento da legítima defesa putativa em seu benefício, pretensão que foi afastada porque: ‘Não obstante, à data do fato, o réu, previamente armado, portando faca e revólver, dirigiu-se a Mauro, desferindo-lhe dois (2) tiros e ainda dando-lhe chutes. Acrescente-se que não há prova que revele atuar anterior imediato da vítima a conduzir ao recorrente a proteção de putativa’ (fls. 163). Verifica-se, assim, a improcedência da afirmativa, de que desfundamentado o aresto recorrido, pois afastada a legítima defesa putativa diante da ausência de provas de sua ocorrência” (AI n. 168955 – MG, 1995). 
A excludente de ilicitude por legítima defesa é a mais antiga que se observa na legislação, a qual se dá em impedir pela força a violação injusta e iminente de um interesse tutelado, como cita Marcello Jardim Linhares diz; “Antes de vir consignada em códigos, já existia como lei da natureza, como norma decorrente da própria constituição do ser, dessas que o homem recebe antes de se estabelecer em sociedade” (LINHARES, Marcello Jardim. Legítima Defesa. 1. ed. v. 4. Rio de Janeiro: Forence, 1992).

5.3.       Estrito Cumprimento de Dever Legal

Essa causa de exclusão da ilicitude se efetiva quando alguém age consoante os limites impostos pela lei, cumprindo um dever, não podendo ao mesmo tempo responder por essa ação como se crime praticasse.
Como o estrito cumprimento de dever legal não foi dado pelo Código Penal, resta à doutrina o papel de conceitua-lo como excludente de ilicitude como: a lei não pode punir a quem cumpre um dever que ela impõe. Segundo BITENCOURT:
“Quem pratica uma ação em cumprimento de dever imposto pela lei não comete crime. Ocorrem situações em que a lei impõe determinada conduta e, em face da qual, embora típica, não será ilícita, ainda que cause lesão a um bem juridicamente tutelado. Nessas circunstâncias, isto é, no estrito cumprimento de dever legal, não constitui crimes a ação do carrasco que executa a sentença de morte, do carcereiro que encarcera o criminoso, do policial que prende o infrator em flagrante delito etc. Reforçando a licitude de comportamentos semelhantes, o Código de Processo Penal estabelece que, se houver resistência, poderão os executores usar dos meios necessários para defenderem-se ou para vencerem a resistência (...) (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 12. ed. v.I. São Paulo: Saraiva, 2008. 762 p)
Essa excludente tem o dever legal de restringir a abrangência da norma aos deveres impostos pela lei inscritos no inciso III do artigo 23 para evitar o abuso de autoridade. Caso haja excesso, o agente responderá por dolo ou culpa.

5.4.       Exercício Regular de Direito

O exercício regular de direito é outra causa excludente da ilicitude em que se um comportamento ou ação é permitida, é tida como um direito, não pode ser proibida. Significa dizer que um comportamento não pode ser um direito e um crime ao mesmo tempo. Sobre esta questão, explanam Saffaroni e Pierangeli: Mas esta "permissão" para repelir a agressão, ilegítima e não provocada, não implica que o direito fomente e muito menos que nos ordene semelhante conduta. Simplesmente, nestas hipóteses conflitivas, a ordem jurídica limita-se a permitir a conduta, porque não se pode afirmar que incentive que um homem que pode fugir prefira matar. O incentivo da conduta homicida seria bastante anticristão. (ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. 9. ed. rev. e atual. São Paulo (SP): Revista dos Tribunais, 2011. p. 401-402.)
De acordo com a teoria da tipicidade conglobante citada pelos autores acima aludidos, o fato típico requer que a conduta esteja proibida pelo ordenamento jurídico considerado como um todo. Se, portanto, algum ramo do direito permitir o comportamento, o fato será considerado atípico. O direito é único e deve ser considerado globalmente, independente de sua esfera (por isso a ordem é conglobante).
 E ainda sobre o exercício regular do direito, Zaffaroni e Pierangeli concluem contundentemente:
É precisamente esta a mais importante diferença entre a tipicidade conglobante e a justificação: a atipicidade conglobante não surge em função de permissões que a ordem jurídica resignadamente concede, e sim em razão de mandatos ou fomentos normativos ou de indiferença (por insignificância) da lei penal. A ordem jurídica resigna-se a que um sujeito se apodere de uma joia valiosa pertencente a seu vizinho, e que a venda para custear o tratamento de um filho gravemente enfermo, que não tem condições de pagar licitamente, mas ordena ao oficial de justiça que apreenda o quadro e lhe impõe uma pena se não o faz, fomenta as artes plásticas, enquanto que se mantém indiferente à subtração de uma folha de papel rabiscada. (ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. 9. ed. rev. e atual. São Paulo (SP): Revista dos Tribunais, 2011, p. 402.)
O Colégio recursal do município de Ji-Paraná, no Estado de Rondônia, valeu-se da teoria da tipicidade conglobante quando no ano de 2006, defrontou com recurso interposto contra sentença prolatada na 1ª Vara do Juizado Especial Criminal do município de Espigão do Oeste/RO, relativa à denúncia do Ministério Público da prática do exercício ilegal da medicina por parte do recorrente conforme a seguinte ementa:
CRIMINAL. OPTOMETRISTA. PREVISÃO LEGAL. EXERCÍCIO ILEGAL DE MEDICINA. NÃO CONFIGURAÇÃO. REFORMA DA SENTENÇA. ABSOLVIÇÃO. Em sendo expressamente prevista a profissão de optometrista pelo Decreto n.º 20.931/32, e sendo as atividades praticadas pelo réu descritas na Classificação Brasileira de Ocupações – CBO, editada pelo Ministério do Trabalho e Emprego através da Portaria n. 397 de 09/10/2000, não há que se falar em exercício ilegal da medicina, ante a existência de norma autorizadora no Ordenamento Jurídico, prestigiando-se assim, o Princípio da Tipicidade Conglobante, impondo-se a reforma da sentença condenatória para absolver o recorrente. (146 Tribunal de Justiça de Rondônia. Turma Recursal. Recurso Criminal n. 100.008.2004.003360-8. Relator: Marcos Alberto Oldakowski. Ji-Paraná, 16 de outubro de 2006. http://www.tjro.jus.br/apsg/faces/jsp/apsgDetalheProcesso.jsp. Acesso em: 04 de outubro 2014)
Assim, seria contraditório o Estado-juiz criminalizar uma conduta que o Estado, em sua composição global, autoriza e fomenta. As últimas duas excludentes, o estrito cumprimento de um dever legal (ordem) e o exercício regular de um direito (fomento ou permissão), com algumas particularidades podem ser atendidas pela teoria da tipicidade conglobante.
São essas as causas legais que podem excluir o caráter ilícito de um comportamento proibido pelas normas penais. É necessário entender como é possível obedecer aos objetivos do direito sem desrespeitar os limites da lei, ou seja, não abusar do direito.

6.      Considerações finais


A causa excludente de antijuridicidade confere que uma ação, mesmo típica, caso possua uma causa de justificação, terá seu caráter de ilicitude excluído e não causará uma pena. Portanto, a ilicitude de um ato só é constatada quando não concorrer qualquer excludente de antijuridicidade já delineada pelo ordenamento jurídico vigente.
Pode-se afirmar que se, e somente se, um dos três elementos do crime (fato típico, ilícito e culpável) não estiver presente, o agente não poderá incutir penalidade. A ilicitude (contrariedade da conduta a norma penal incriminadora) é um fator imprescindível, essencial mesmo, para tal fato, visto que um fato típico é ilícito.
São essas causas legais, estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento de dever legal e exercício regular de direito, que podem excluir o caráter ilícito de um comportamento proibido pelas normas penais.


Abstract


This article aims to search for the causes of objections expressly referred to exclusive in our legal system, in the Brazilian Penal Code, in its article 23 looking for emphasize their legality and efficiency in the Brazilian reality. The exceptional character antijurídico withdrawal of a conduct typified as criminal is the exclusion of unlawfulness. Unlawfulness that is all that is contrary to the law, the law. The exclusive causes of unlawfulness may exempt an individual awareness of a fact practiced by an individual that the practice under certain circumstances. These causes that disclaim crime are: State of necessity, self-defence, strict fulfilment of legal duty and regular exercise of law.   

Keywords: exclusive of unlawfulness, crime, law

Referências Bibliográficas

  
AI n. 168955 – MG. Relator: Ministro Celso de Mello. Supremo Tribunal Federal, Brasília, jun. 1995. Disponível em: . Acesso em: 27 nov. 2009.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 12. ed. v.I. São Paulo: Saraiva, 2008. 320 p.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 12. ed. v.I. São Paulo: Saraiva, 2008. 762 p

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BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. São Paulo, Saraiva, 2004.
COSTA JÚNIOR, Paulo José. Direito Penal: curso completo. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. 772 p.
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FABBRINI, Renato; MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral. 24. ed. v. I. São Paulo: Atlas, 2008.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral. 7. ed. v. I. Rio de Janeiro: Impetus, 2006. 823 p.
LINHARES, Marcello Jardim. Legítima Defesa. 1. ed. v. 4. Rio de Janeiro: Forence, 1992.
DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil. Ed. Saraiva. 11ª ed., p. 139
MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal. 1. ed. v. 1. São Paulo: Millennium, 2002
NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal: parte geral. 37. ed. v. I. São Paulo: Saraiva, 2003. 387 p. 
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: parte geral e especial. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. 1072 p.
PRADO, Luiz Régis. Bem jurídico penal e constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. 5. ed. v. 1. São Paulo: Saraiva. 1994.
ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. 9. ed. rev. e atual. São Paulo (SP): Revista dos Tribunais, 2011. p. 401-402.




[1]Maria Rosilene de Moraes. Centro de Ensino Superior de São Gotardo. Faculdade de Ciências Gerenciais. Aluna do Curso de Direito. Graduada em Ciências pela PUC/MG. Graduada em Matemática pelo Instituo ISEED/FAVED. Pós-graduanda em Educação Empreendedora pela UFSJ. Pós-graduanda em Gestão Escolar pela UFOP. E-mail: rosil_moraes@hotmail.com

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