quinta-feira, 15 de outubro de 2015

0 DIREITO DOS CONTRATOS - EVOLUÇÃO HISTÓRICA


Direito civil. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005. v. 2 – Teresa Negreiros. Teoria do contrato: novos paradigmas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
1.       DE ROMA AO LIBERALISMO
Nos primórdios do direito romano, as obrigações contratuais estavam reduzidas a um pequeno número de instrumentos, do que se deflui que aquele não vislumbrou o contrato enquanto uma categoria geral e abstrata, ou seja, os romanos não tinham para o contrato nem um nome técnico e nem uma doutrina (Max Kaser. Direito privado romano, p. 61; Biondo Biondi. Istituzioni di diritto romano, p. 337). O sistema econômico vigente naquele tempo, e sua respectiva organização social, não exigiram uma complexa arquitetura contratual. As obrigações e, conseqüentemente, os contratos eram reconduzidos à estrutura da família, porque o universo econômico consistia em ordenamento doméstico (Francesco Paolo Casavola. Dal diritto romano al diritto europeo, p. 24). Por isso, o pretor se apegava às fórmulas existentes de maneira bastante contundente. A formação do contrato deveria obedecer a formas rigorosas, mesmo que elas não coadunassem exatamente com a vontade das partes (Sílvio de Salvo Venosa. Direito civil, p. 394). Daí a importância da sacramentalidade ritual que a envolvia (Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de direito civil, p. 8-9). Este formalismo exacerbado estava assentado na inseparabilidade entre os fatos jurídicos e as celebrações religiosas, valendo ressaltar que a vontade, enquanto elemento preponderante do contrato, somente lograria destaque no período justinianeu (Sílvio de Salvo Venosa. Direito civil, p. 395). Apesar de, acerca da matéria, não dispor de conceitos genéricos precisamente demarcados, as fontes romanas já os continham em estágio incipiente, corolário da casuística que permeava o espírito prático de seus juristas, sempre voltados para o caso concreto, em uma acentuada demonstração de realismo jurídico (Max Kaser. Direito privado romano, p. 60). O papel e as funções do contrato começaram a assumir outra dimensão, posteriormente, com a intensificação do comércio. Tal desenvolvimento das relações comerciais impediu no pretor a necessidade de introduzir novas ações, com vistas à tutela do objeto contratual. Com efeito, as ações pessoais viram-se multiplicadas desordenadamente, sem nenhuma preocupação de natureza teórica (Michel Villey. Direito romano, p. 154). Não obstante, o contrato assume um caráter de proteção de interesses públicos e privados, concretizando uma finalidade probatória (Max Kaser. Direito privado romano, p. 62). Destarte, a noção de contrato no direito romano até este momento era muito mais restrita que no direito civil contemporâneo. E isso se deu basicamente por dois motivos, conforme preleciona José Carlos Moreira Alves (Direito romano, p. 122): a) porque apenas eram considerados contratos os acordos de vontade destinados a criar relações jurídicas obrigacionais; b) porque nem todos os acordos de vontade lícitos geravam obrigações, como ocorria com os contractus. Todavia, inegável é a constatação de que o desenvolvimento do sistema contratual romano, do direito clássico a Justiniano, apresentou um enorme alargamento das hipóteses, às quais a ordem jurídica conferia a possibilidade de criar obrigações (José Carlos Moreira Alves. Direito romano, p. 122-123).
 Podemos, com base nas lições de José Carlos Moreira Alves (Direito romano, p. 123-125), elaborar um quadro comparativo da evolução do contrato nos vários “direitos romanos”: DIREITO CLÁSSICO DIREITO PÓS-CLÁSSICO DIREITO JUSTINIANEU 1. O contrato não é concebido como uma categoria geral e abstrata. 2. Os juristas conhecem apenas alguns tipos de contrato. 3. Não é o acordo de vontade que gera a obrigação, mas a observância de formalidades ou a entrega da coisa. 4. O pacto não é tutelado por uma actio, mas por uma exceptio.
Consolida-se a atenuação do rígido esquema: contrato = acordo de vontade + elemento objetivo que faz surgir a obrigação. 2. Aceitação dos contratos consensuais. 3. Os pactos adjetos, pretorianos e legítimos passam a gerar obrigações. 4. Surgimento dos contratos inominados.
Os juristas bizantinos consideram que a obrigação nasce do acordo de vontade. 2. O acordo de vontade passa a ser o elemento juridicamente relevante da obrigação. 3. A definição de contrato se assemelha à clássica conceituação de pacto. Concluindo, a história do contrato no direito romano demonstra-se muito adequadamente resumida nas palavras de José Cretella Júnior (Curso de direito romano, p. 245): “Do formalismo para o não-formalismo, do apego excessivo à forma para um abrandamento ininterrupto, em benefício do conteúdo, da intenção das partes – eis o sentido exato da evolução da figura contratual no direito romano”. Analisando o processo evolutivo acima demonstrado, torna-se possível arriscar, com A. Santos Justo, uma definição para o contrato no estágio mais avançado do direito romano, sem apresentar maiores disparidades com a que hoje concebemos: o acordo de vontades de duas ou mais pessoas no intuito de criar uma relação jurídica obrigacional – consoante as regras fixadas pelo ius civile (Direito privado romano, p. 24).
Temos, portanto, que o contrato somente se afirma como um conceito jurídico e passa a exercer a função regulatória das operações econômicas a partir da época justinianéia, o que, sem dúvida, representou um avanço sem precedentes para o direito romano e para esse instrumento de juridicionalização dos comportamentos e das relações humanas voltados à circulação de riquezas na sociedade (Enzo Roppo. O contrato, p. 15-17). A evolução histórica do instituto contratual adentrando a Idade Média não iria alterar em muito as suas conformações se comparadas àquelas que já assumia na Antigüidade. Aqui também tínhamos um sistema econômico arcaico, no qual a dimensão, a incidência e a difusão do contrato eram reduzidas e marginais (Enzo Roppo. O contrato, p. 25). E isso tinha uma razão intrínseca para acontecer. Nas sociedades com uma dinamicidade econômica menos acentuada, a tendência era que os efeitos derivados dos contratos nas relações socioeconômicas fossem determinados com base na comunidade, categoria ou grupo ao qual o contratante pertencesse, limitando a liberdade contratual (Enzo Roppo. O contrato, p. 26-27). Acrescenta-se, ainda, enquanto fator determinante para tal estagnação evolutiva da teoria contratual o retrocesso experimentado pela ciência jurídica na alta Idade Média (476 a 1100 d.C.), voltando o direito romano a ser primitivo, consuetudinário e provinciano. Do século VIII em diante, essa situação fica um tanto mais complicada com o aparecimento do direito feudal, lastreado em costumes orais (César Fiuza. Direito civil: curso completo, p. 62-64). Com a chegada da baixa Idade Média (1100 a 1453 d.C.) e a instalação do Estado absolutista, inaugurou-se a economia de mercado, com a conseqüente necessidade de uma reformulação do sistema jurídico, que retomou suas origens romanas fulcradas no direito justinianeu. A conjugação desse direito romano medieval com o direito canônico, também de índole romana, formou o ius commune (direito comum) (César Fiuza. Direito civil: curso completo, p. 65). O instrumento contratual passa a ocupar lugar de relevo nessa nova forma de organização social e econômica da comunidade política. Indubitavelmente, não resulta de mera coincidência o fato de uma teoria contratual mais elaborada somente ter lugar a partir do século XVII em regiões geográficas onde o modo de produção capitalista começava a se afirmar. Tampouco que a sistematização legislativa do direito dos contratos tenha se dado com o Código Civil francês, de 1804, fruto das aspirações liberais da burguesia que ascendeu ao poder com a Revolução Francesa (Enzo Roppo. O contrato, p. 25-26). O contrato, para além de um conceito jurídico, possuía, nesse momento histórico, uma carga ideológica muito acentuada refletindo o pensamento político da classe dominante. Não por acaso encontraram campo fértil a liberdade de contratar, a igualdade dos contratantes e a força obrigatória dos contratos, princípios informadores – e que ainda hoje têm alguma validade – de toda uma teoria contratual inspirada no liberalismo (no plano econômico) e no voluntarismo (no campo jurídico). Isso porque, o instrumento contratual deveria oferecer certeza e previsibilidade aos que dele participaram, consagrando a máxima quem diz contratado diz justo, assentada na moral kantiana (na perspectiva do “imperativo categórico”) e inspirada em Rousseau (com base no “contrato social”). As teorias econômicas então vigentes apontavam em sua execução para o laissez-faire, laissez-passer, sendo o bem-estar social alcançado mais apropriadamente por meio da livre iniciativa do que por meio das intervenções estatais (Enzo Roppo. O contrato, p. 36). A ideologia contratual novecentista resumia as expectativas da sociedade ocidental que buscava expandir os limites da liberdade individual, refletindo, em matéria de contrato, no apogeu da autonomia da vontade. Portanto, necessitava superar aquela concepção jurídica feudal, inibidora da personalidade e pouco aberta do ponto de vista socioeconômico. Mas tudo isso pautado em uma igualdade meramente formal, desprezando-se as latentes desigualdades materiais entre os contratantes, o que acabava gerando contratos com disparidades de interesses e substancialmente injustos (Enzo Roppo. O contrato, p. 36 e ss.). Foi com o jurista francês Robert-Joseph Pothier que o contrato assumiu a feição geral e abstrata que transmitiu ao Code Napoléon (1804), diploma inaugural da era das grandes codificações, e influenciou as diversas legislações civis que o seguiram – italiana (1865), portuguesa (1867), espanhola (1889), alemã (1896) e brasileira (1916) –, conservando-se até os presentes dias (Alinne Arquette Leite Novais. A teoria contratual e o Código de Defesa do Consumidor, p. 36). Trata-se, mais do que isso, do paradigma geral e abstrato, capaz de fazer o contrato acolher um conteúdo variado, alargando seu uso e possibilidade prática (Francesco Messineo. Doctrina general del contrato, p. 51). Destarte, podemos concluir que a “concepção clássica de contrato não é fruto de um único momento histórico – ao contrário, ele representa o ponto culminante e aglutinador da evolução teórica do direito após a Idade Média e da evolução social e política ocorrida nos séculos XVIII e XIX, com a Revolução Francesa, o nacionalismo crescente e o liberalismo econômico” (Claudia Lima Marques. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais, p. 55).
2.       D A SEGUNDA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL AO DIREITO CIVIL CONTEMPORÂNEO
Com o advento da Segunda Revolução Industrial (1860) a dimensão, a incidência e a difusão do contrato alteraram radicalmente, fazendo deste um mecanismo jurídico indispensável para a articulação de todo o sistema 34 Direito dos Contratos EVOLUÇÃO HISTÓRICA 35 econômico. Isso ocorreu no contexto de um enorme desenvolvimento das forças produtivas e de uma extraordinária intensificação das trocas (Enzo Roppo. O contrato, p. 25). Tudo quanto nos foi dado analisar, demonstra que um modelo de contrato foi substituído por outro, conquanto a necessidade de adaptar o instrumento contratual às exigências que historicamente foram sendo delineadas desde um ponto de vista econômico e social, exigindo do direito civil uma releitura de sua disciplina legal e jurisprudencial, de suas funções e de sua própria estrutura. Das lições de Enzo Roppo, deflui a verdade subjacente a essa mudança: “Não existe uma ‘essência’ histórica do contrato; existe sim o contrato, na variedade das suas formas históricas e das suas concretas transformações” (O contrato, p. 348). Não parece ter sido esse o ponto de vista da investigação doutrinária, entre outros, de Henry Sumner Maine, de Louis Josserand, de René Savatier e de Grant Gilmore, quando preconizaram um retorno do contrato ao status, o fi m da idade de ouro da liberdade contratual, a substituição da fi gura contratual e a morte do contrato, respectivamente. Dessa incompreensão metodológica surgiu a alardeada crise na teoria contratual clássica, que se pode entrever em três destacados momentos: crise da massificação, crise da pós-modernidade e crise de confiança (Claudia Lima Marques. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais, p. 163 e ss.). Em apertada síntese, podemos concluir que: a) a primeira crise está ligada ao surgimento dos contratos de massa, especialmente os de adesão, como conseqüência do processo econômico de industrialização; seria mais uma crise do dogma da autonomia da vontade do que propriamente uma crise do contrato; representou uma crise de transformação positiva do contrato, seu verdadeiro renascimento (Claudia Lima Marques. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais, p. 163-167); b) a segunda crise tem por base as características que a cultura pós moderna lançou sobre o direito; o contrato passou de uma normatividade geral e única para um regime jurídico plural, a fi m de garantir a autonomia real da vontade do contratante mais fraco, ao mesmo tempo em que também está voltado para a proteção dos novos bens economicamente relevantes – bens móveis imateriais ou mesmo bens desmaterializados (Claudia Lima Marques. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais, p. 167-187); c) a terceira crise encontra-se em pleno desenvolvimento, consubstanciando no problema da confiança o maior reflexo da fase aprofundada da pós-modernidade nas relações contratuais; ao direito civil cabe reconstruir suas teorias e reforçar seus valores éticos e sociais visando fazer frente aos desafios da sociedade contemporânea, destruidora das bases, crenças e instituições comuns (Claudia Lima Marques. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais, p. 187-210). Destarte, a nosso sentir, a idéia que se deve assimilar em torno da crise dos contratos está associada a um novo arranjo no que tange aos princípios e regras do direito dos contratos nos meandros do direito civil do século XXI, tendo por alicerce os fundamentos socioeconômicos vigentes, ou seja, trata-se de uma inadequação da teoria tradicional dos contratos aos atuais padrões existenciais e negociais exigidos pelas relações humanas e empresariais (vide Flávio Tartuce. Direito civil, p. 27-30). O repensar da arquitetura contratual é corolário do reconhecimento do desajuste verificável entre o modelo paritário de contrato e as relações negociais características da pós-modernidade, vindo a reforçar tal assertiva as modalidades de contratação denominadas contrato coativo, contrato necessário, contrato-tipo, contrato coletivo e, o mais difundido deles, o contrato de adesão. Percebe-se que demandam maior agilidade e fluidez, em virtude da despersonalização dos contratantes e da modificação de seus objetos (Paulo Nalin. Do contrato: conceito pós-moderno – Em busca de sua formulação na perspectiva civil constitucional, p. 116-117). Conseqüentemente, conclui-se que nunca existiu uma fórmula de contrato de uso universal e ahistórico, sendo as sucessivas transformações que ele enfrentou ao longo dos tempos, uma revisão de sua própria racionalidade, adequando-a aos padrões de cada sistema de produção e respectivo modelo de sociedade instituído. Nas palavras de Enzo Roppo, “o contrato muda a sua disciplina, as suas funções, a sua própria estrutura segundo o contexto econômico-social em que está inserido” (O contrato, p. 24). Essa foi também a evolução percorrida pela matéria contratual no direito civil brasileiro desde o Código Civil de 1916 – perpassando por uma fragmentação em microssistemas, a exemplo da locação urbana, do arrendamento rural e das relações de consumo – até chegar ao diploma civil em vigor. Como salientado alhures, o revogado Código Civil (1916) foi fortemente influenciado pela tradição jurídica francesa do Código Napoleônico (1804), com destaque na seara contratual para o voluntarismo (consagrado no princípio solus consensus obligat). Isso atendia adequadamente às expectativas liberais que cercavam a legislação civil sobre o tema dos contratos, quais sejam, liberdade, igualdade (formal) e intangibilidade contratual, refletindo os princípios informadores daquela codificação: formalismo, individualismo e patrimonialismo (vide Orlando Gomes. Raízes históricas e sociológicas do Código Civil brasileiro, p. 1-46). O perfil do contrato começa a mudar na pós-modernidade jurídica, relevando a necessidade de equilíbrio entre livre iniciativa e regulação estatal, na medida em que resguarda os valores atinentes à justiça social e aos direitos fundamentais. Na esteira do Código de Defesa do Consumidor (1990), não parece ser outra a postura adotada pelo atual Código Civil (2002), especialmente quando preceitua como cláusulas gerais principiológicas em matéria contratual a função social do contrato (art. 421) e a boa-fé objetiva (art. 422). Na realidade, o que temos de inovador é um refl exo mesmo das diretrizes teóricas plantadas a título de princípios informadores no atual Código Civil: eticidade, socialidade e operabilidade. A eticidade rompendo o formalismo civilístico em proveito dos valores éticos do ordenamento jurídico; a socialidade superando o caráter individualista dos institutos civis em reconhecimento do predomínio do social; e a operabilidade estabelecendo soluções normativas para facilitar a interpretação e a aplicação do texto civil codificado (Miguel Reale. História do novo Código Civil, p. 37-42). Com base na doutrina de Judith Martins-Costa e Gerson Luiz Carlos Branco podemos asseverar que estes princípios constituem o espírito da nova codificação, conquanto seja a eticidade reconhecida como fundamento das normas civis e a socialidade como característica do direito civil contemporâneo (Diretrizes teóricas do novo Código Civil brasileiro, p. 130-160), não obstante sua inadequação diante do ideal de democracia social e respeito às minorias, particularidades inerentes ao Estado Democrático de Direito, por ter-se deixado acorrentar a concepções axiológicas concernentes ao excedido Estado Social de Direito (Mário Lúcio Quintão Soares e Lucas Abreu Barroso. A dimensão dialética do novo Código Civil em uma perspectiva principiológica, p. 2). Enfim, a decisiva transformação do direito dos contratos no último século e meio – ou, melhor ainda, desde a vitória burguesa – foi a sujeição da vontade dos contratantes ao interesse coletivo, em conformidade com as exigências do bem comum (Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka. Contrato: estrutura milenar de fundação do direito privado – Superando a crise e renovando princípios, no início do vigésimo primeiro século, ao tempo da transição legislativa civil brasileira, p. 119-120). A disciplina contratual hodierna reclama por um comprometimento ético e político dos contratantes, alargando enormemente as fronteiras de seu instrumento técnico (Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka. Contrato: estrutura milenar de fundação do direito privado – Superando a crise e renovando princípios, no início do vigésimo primeiro século, ao tempo da transição legislativa civil brasileira, p. 123). A alocação destas determinantes metajurídicas no ordenamento contratual resulta do gerenciamento de necessidades sociais pelo constitucionalismo democrático (Joaquim de Sousa Ribeiro. Direito dos contratos: estudos, p. 44), ao mesmo tempo em que oportuniza a humanização, a socialização e a moralização do direito dos contratos (Orlando Gomes. Transformações gerais do direito das obrigações, p. 2), o que se torna, agora, mais factível em conseqüência da abertura sistêmica do Código Civil, possibilitando uma constante aproximação entre os postulados da ordem positivada e os reclamos da realidade social. Mas isso não é algo que se opera por si mesmo, sendo indispensável recorrer a um complexo processo hermenêutico de realização jurídica. O pensamento metodológico oriundo da nova codificação concretiza uma fase de jurisprudencialismo no direito civil brasileiro, em que o caso concreto e os princípios jurídicos envolvidos constituem o ponto de partida e os fundamentos, respectivamente, para que o intérprete, imbuído de razão prática, possa encontrar a solução do problema em análise, daí porque também é denominado paradigma judicativo-decisório (Francisco Amaral. O Código Civil brasileiro e o problema metodológico de sua realização: do paradigma da aplicação ao paradigma judicativo-decisório, p. 21-24). Concluindo, a tendência do contrato em uma perspectiva civil constitucional aponta para a sua inserção no projeto social articulado pela ordem jurídica vigente no país, com lastro na dignidade da pessoa humana (art. 1.°, III, da CF), na solidariedade social (art. 3.°, I, da CF) e nos princípios gerais da atividade econômica (art. 170 da CF), ou seja, renascem as promessas de cidadania e justiça social no horizonte contratual (Teresa Negreiros. Teoria do contrato: novos paradigmas, p. 107-108).

3. RESUMO ESQUEMÁTICO
1. De Roma ao liberalismo No direito romano, o contrato somente se afirma como um conceito jurídico e passa a exercer a função regulatória das operações econômicas a partir da época justinianéia. Na Idade Média, com a formação do ius commune, o instrumento contratual passa a ocupar lugar de relevo na economia de mercado recém-inaugurada no âmbito do Estado absolutista. O Code Napoléon (1804) assimilou o paradigma geral e abstrato, capaz de fazer o contrato acolher um conteúdo variado, alargando seu uso e possibilidade prática, o que influenciou diversas legislações civis posteriores, entre elas a brasileira (1916).
2. Da Segunda Revolução Industrial ao direito civil contemporâneo A idéia que se deve assimilar em torno da crise dos contratos está associada a um novo arranjo no que tange aos princípios e regras do direito dos contratos nos meandros do direito civil do século XXI, tendo por alicerce os fundamentos socioeconômicos vigentes. O perfil do contrato começa a mudar na pós-modernidade jurídica, relevando a necessidade de equilíbrio entre livre iniciativa e regulação.
Direito dos Contratos estatal, na medida em que resguarda os valores atinentes à justiça social e aos direitos fundamentais. A decisiva transformação do direito dos contratos no último século e meio – ou, melhor ainda, desde a vitória burguesa – foi a sujeição da vontade dos contratantes ao interesse coletivo, em conformidade com as exigências do bem comum. A tendência do contrato em uma perspectiva civil constitucional aponta para a sua inserção no projeto social articulado pela ordem jurídica vigente no país, com lastro na dignidade da pessoa humana, na solidariedade social e nos princípios gerais da atividade econômica.

Nenhum comentário:

Postar um comentário