Excludentes de Ilicitude
RESUMO
Este
artigo tem como objetivo pesquisar as causas excludentes de ilicitude, previstas expressamente
em nosso ordenamento jurídico, no Código
Penal Brasileiro, em seu artigo 23 procurando enfatizar a sua legalidade e eficácia na realidade
brasileira. A retirada excepcional do
caráter antijurídico de uma conduta tipificada como criminosa é a exclusão de
ilicitude. Ilicitude essa que é tudo que
é contrário ao direito, à lei. As causas excludentes de ilicitude podem
isentar um indivíduo da ilicitude de um fato praticado por um indivíduo que o
pratica sob determinadas circunstâncias. Essas causas que isentam de crime são:
estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento de dever legal e
exercício regular de direito.
PALAVRAS-CHAVE: excludente de ilicitude, crime,
direito, lei
"Se
as coisas são inatingíveis... ora! Não é motivo para não querê-las... Que
triste os caminhos, se não fora a presença distante das estrelas!".
Mário Quintana
1. Introdução
Tudo o que a lei proíbe é
ilícito. A Ilicitude representa tudo o que contrário ao direito, à lei.
Significa dizer que todo crime é ilícito, pois é contrário ao estipulado na lei
para instruir o comportamento das pessoas.
No entanto, mesmo sendo
todo crime, a priori, considerado um ato ilícito, há situações
criminosas (condutas expressamente proibidas pela lei), em que a conduta do
agente não será considerada ilícita. São as chamadas "excludentes da
ilicitude". São causas previstas expressamente em nosso ordenamento jurídico,
no Código Penal em seu artigo 23, tendendo a possibilitar a isentar um
indivíduo da ilicitude de um fato, quando praticado sob determinadas
circunstâncias. Essas causas excludentes da ilicitude são quatro, a saber:
estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento de dever legal ou
exercício regular de direito.
O Código Penal Brasileiro, em seu artigo
23, enumera as causas excludentes de ilicitude:
·
Estado de necessidade — quando o autor pratica a conduta
para salvar de perigo atual direito próprio ou alheio.
·
Legítima defesa — consiste em repelir moderadamente
injusta agressão a si próprio ou a outra pessoa.
·
Estrito cumprimento de dever legal —
quando o autor tem o dever de agir e o faz de acordo com determinação legal.
·
Exercício regular de direito — consiste na atuação do agente dentro
dos limites conferidos pelo ordenamento legal.
Insta dizer que o
agente, em qualquer das hipóteses acima citadas, responderá pelo excesso doloso
ou culposo. A primeira delas está definida no
artigo 23, I, e conceituada no artigo 24, ao passo que a segunda está
conceituada no artigo 25. As demais não foram conceituadas, restando apenas a
doutrina.
Este artigo busca mostrar as diferenças mais pertinentes
entre as excludentes de ilicitude através de se compreender o porquê da
exclusão de um dos elementos do crime realizada por cada uma das descriminantes
e de um possível excesso contido nelas, e, neste caso, o agente responde por
eles. Foi realizada uma pesquisa bibliográfica no âmbito penal esperando que
possa contribuir para a formação de futuros juristas cientes da não punição do
agente mediante a exclusão de um dos elementos do crime, da forma como isto
acontece.
2.
Definição de ilicitude
2.1.
Ilicitude formal
A ilicitude é a contradição da norma ao
ordenamento jurídico. A conduta, por ação ou omissão, torna-se ilícita,
constituindo a ilicitude formal. Insta destacar que, o fato típico é, antes de
mais nada, ilícito. Um fato típico não é caracterizado como ilícito quando há a
presença de pelo menos uma das quatro excludentes legais de ilicitude.
2.2.
Ilicitude material
A ilicitude material, no
entanto, é a contrariedade da norma ao sentimento comum de justiça da
coletividade. Segundo Rogério Grego:
“A tipicidade, segundo a teoria da ratio cognoscendi, que prevalece entre os
doutrinadores, exerce uma função indiciária da ilicitude. Segundo essa teoria,
quando o fato for típico, provavelmente também será antijurídico (...). A
regra, segundo a teoria da ratio
cognoscendi, é a de
que quase sempre o fato típico também será antijurídico, somente se concluído
pela licitude da conduta típica quando o agente atuar amparado por uma causa de
justificação (GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral. 7. ed. v. I. Rio de Janeiro: Impetus, 2006. 823
p.).
A distinção existente entre antijuricidade
e injusto certamente é que a primeira é a contradição à norma penal, e a
segunda é a conduta ilícita propriamente dita.
3.
Histórico das causas excludentes de ilicitude
A luta pela sobrevivência tem
marcado a existência do homem desde os
primórdios, exigindo a criação do Estado para dirimir atritos, o qual
tem poderes para dirigir o comportamento humano. O homem sempre se viu
diante das dificuldades da vida, e por isso, foi obrigado desde a era primitiva
a se defender contra as ameaças ao seu redor para que pudesse ter um mínimo de
tranquilidade. Destarte estabeleceu uma forma de resolução de atritos
interpessoais, o Estado, que regeria o comportamento do homem por meio de
regras e normas, principalmente pela convivência da vida grupal. É o surgimento
do Direito Penal que, com certeza penalizada a quem causasse mal aos da sua
espécie. Segundo Paulo José da Costa Junior verifica-se:
“O
primeiro direito a surgir foi o penal. A pena reservava inicialmente a vingança
privada da própria vítima, de seus parentes ou do agrupamento social (tribo) a
que pertencia. A reação costumava superar em muito a agressão, a menos que o
transgressor fosse membro da tribo. Era então punido com o banimento, que o
deixava entregue à sorte de outros agrupamentos.” (COSTA JÚNIOR, Paulo José. Direito Penal: curso completo. 8. ed. São Paulo:
Saraiva, 2000. 772 p.)
A necessidade de punir surgiu quando alguém praticava algum ato contrário
a algum interesse dos membros do grupo, que se tenha colocado contra algum
valor individual ou coletivo (constituindo uma proteção dos bens jurídicos
reconhecidos pelo direito), ou para manter a paz social. Um complexo de normas
disciplinadoras que estabeleciam regras essenciais à convivência foi criado,
como define José Frederico Marques:
“Chama-se
regra social àquela que uma sociedade elabora para fazer imperar o direito e
impor a seus membros a noção do justo e do injusto que nela predomina. Com a
forma imperativa que lhe dá a comunidade política, a norma social assim
elaborada adquire positividade jurídica, impondo-se à obediência de todos.”
(MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal. 1. ed. v.
1. São Paulo: Millennium, 2002.)
Assim, quando uma
conduta, seja por ação ou omissão, viola bem jurídico, surge para o estado o jus puniendi. Para Prado (1997, p. 18) “o bem jurídico em sentido
amplo é tudo aquilo que tem valor para o seu humano” (PRADO, Luiz Régis. Bem jurídico penal e
constituição. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.). De
acordo com Toledo: “Bem em um sentido mais amplo, é tudo aquilo que nos
apresenta como digno, útil, necessário valioso [...] Os bens são, pois, coisas
reais, ou objeto ideal dotado de ‘valor’, isto é, coisas materiais e objetos
imateriais que além de ser o que são, valem“.(TOLEDO, Francisco de
Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. 5. ed. v. 1. São Paulo:
Saraiva. 1994, p. 15)
Em algumas
circunstâncias muito especiais, permite-se comportamento de alguém contrário
aos bens que normalmente são protegidos, e esta contradição é considerada
justa. Essas são as chamadas de causas de exclusão da ilicitude.
Em
especialíssimas circunstâncias, o Direito satisfazendo a vontade da sociedade,
permite o homem se comportamento contrariamente a bens que, normalmente são
protegidos pelo próprio Direito. Causas de exclusão da ilicitude são as mesmas chamadas
causas de justificação, justificativas, excludentes, eximentes,
Algumas
legislações como o Código de Manu (Índia), no Egito (Cinco Livros), na China (Livro
das Cinco Penas), na Pérsia (Avesta), em Israel (Pentateuco) e na Babilônia
(Hamurabi) deram origem às excludentes de ilicitude em todo o mundo.
4.
A legalidade das causas excludentes de ilicitude
Várias correntes doutrinárias
surgem quando se abordo uma matéria do Direito Penal para proporcionar ao
aplicador do Direito a aplicação e adequação do fato real às normas criadas
pelo legislador por vezes impondo sanções, outras vezes excluindo a ilicitude
do fato. Insta salientar que sempre o Estado é quem detém o poder de aplicar
sanções.
Pode-se citar o artigo 1º do
Código Penal quando se trata de qualquer tema penal, in verbis: “Art. 1º Não há
crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia comunicação legal.”
Norteador do Direito Penal, tal princípio é garantidor da própria aplicação da
Lei Penal nas nações democráticas, pois será considerado crime, se e somente se
aquela conduta é considerada típica pelo legislador.
O Direito Penal é um controlador social
formal do Estado, sendo de sua competência prever sanções a condutas humanas atípicas,
ilícitas ou antijurídicas e culpável, bem como possibilitar a existência de um
processo que se desenvolva de acordo com a legalidade. O Direito Penal, não
pode, portanto ser desenfreado, arbitrário, sem limites devendo estar
submetido, ao princípio da legalidade e à garantia dos Direitos Fundamentais do
cidadão.
A legalidade mostra sua
importância na própria Constituição de 1988, inscrita no inciso art. 5º, XXXIX
cujo preceito se repete no artigo 1º do Código Penal, como cláusula pétrea.
Ao garantir que a lei deve ser
anterior ao crime, e prévia, com relação à pena (retroatividade da lei penal
incriminador), significa que a lei penal admite a sua retroatividade apenas se
for para beneficiar o réu, nunca para prejudica-lo.
Como
assim o é, maior razão ainda para as chamadas excludentes de ilicitude ou
antijuridicidade, tendo em vista, que apenas a lei penal pode definir quais são
aqueles atos que não constituem crime, conforme definido no artigo 23 do Código
Penal, in verbis:
“Art.
23. Não há crime quando o agente pratica o fato:
I – em
estado de necessidade
II – em
legítima defesa,
III – em
estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular de direito.”
Parágrafo único - O agente, em qualquer das
hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.
5.
As causas excludentes de ilicitude
De acordo com o artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil ((Decreto-Lei
nº 4657/42), o juiz pode decidir conforme a analogia, costumes e os princípios
gerais do direito, reconhecendo a excludente, embora não esteja expressa em lei
(DINIZ,
Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil. Ed. Saraiva. 11ª ed., p. 139)
O direito prevê causas
que excluem a ilicitude, mas não excluem também a tipicidade. No entanto, estas
normas eliminam aquela. Não há fato típico sem a antijuridicidade. O Código
Penal Brasileiro em seu artigo 23 cita a expressão “não há crime” em que a
conduta é mediante o estado de necessidade, legítima defesa, estrito
cumprimento de dever legal e exercício regular de direito. É importante
salientar que as normas permissivas não estão somente instituídas na Parte
Geral do Código Penal, mas também na Parte Especial, v.g., o artigo 128 e 142.
5.1. Estado de Necessidade
O estado de
necessidade disposto no artigo 24 caracteriza-o pelo fato de uma pessoa, para
salvar um bem juridicamente protegido (direito) próprio ou alheio, exposto a
perigo atual, sacrifica bem de outrem. Esta excludente impede a punição
daquele que realiza um comportamento proibido numa situação de extrema
necessidade. Há, portanto, nesta excludente um
conflito de bem-interesses. A ordem jurídica considera a situação como
legítima. São requisitos do estado de necessidade:
·
Existência de
perigo atual: é aquele que está acontecendo. O agente não precisa que o perigo
iminente se transforme em atual para que possa arguir o estado de necessidade
·
Ameaça a direito
próprio ou alheio: abrange qualquer bem jurídico. A intervenção pode ocorrer
para salvar direito de terceiro ou próprio.
·
Uma situação não
provocada pelo agente: o perigo causado dolosamente ou culposamente impede a
arguição do estado de necessidade.
·
Inevitabilidade
do comportamento: somente se admite o sacrifício de um bem quando houver
impossibilidade de outra conduta.
·
Razoabilidade do
sacrifício: exige que o agente atue de acordo com o senso comum daquilo que é
razoável.
·
Inexistência do
dever legal de enfrentar o perigo: não pode arguir o estado de necessidade quem
tinha dever legal de enfrentar o perigo
·
Conhecimento da
situação justificante: se o agente desconhecia os pressupostos da excludente, o
fato será considerado ilícito.
Segundo NUCCI, o agente que exceder na sua conduta
inicialmente justificada responderá pelo excesso doloso (consciente) ou culposo
(inconsciente). (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual
de Direito Penal: parte geral e especial.
4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. 1072 p.)
5.2. Legítima Defesa
O Código penal Brasileiro em seu art. 23 dispõe sobre a legítima
defesa a qual é conceituada no artigo 25 do mesmo código. É caracterizada por
ser necessária a defesa utilizada contra uma agressão injusta, já acontecendo
ou prestes a acontecer, contra direito próprio ou de terceiro observando-se o
uso moderado, proporcional e necessário. De acordo com WELZEL, citado por
BITENCOURT, quanto à excludente de legítima defesa “a ação de defesa é aquela
executada com o propósito de defender-se da agressão. O que se defende tem de
conhecer a agressão atual e ter a vontade de defender-se” (BITENCOURT, Cezar
Roberto. Tratado de
Direito Penal: parte
geral. 12. ed. v.I. São Paulo: Saraiva, 2008. 320 p.). O indivíduo quando age em legítima
defesa atua substituição do Estado.
Para alegar legítima defesa são
necessários alguns requisitos, elencados por NORONHA:
·
Agressão atual e
iminente e injusta: é toda agressão humana que ataca bem jurídico, contrária ao
ordenamento jurídico;
·
Agressão a
direito próprio ou alheio: a legítima defesa poderá ser defesa de direito
alheio (de terceiro) ou defesa de direito próprio;
·
Moderação no
emprego dos meios necessários: é necessário que haja proporcionalidade entre
ataque e repulsa;
·
Conhecimento da
situação justificante: a legítima defesa será descartada quando houver
desconhecimento da situação justificante pelo agente. (NORONHA, E.
Magalhães. Direito Penal: parte geral. 37. ed. v. I. São
Paulo: Saraiva, 2003. 387 p.)
Ainda sobre a legítima defesa FABBRINI e
MIRABETE relatam:
Deve o sujeito ser moderado na reação, ou seja, não
ultrapassar o necessário para repeli-la. A legítima defesa, porém, é uma reação humana e não se
pode medi-la com um transferidor, milimetricamente,
quanto à proporcionalidade de defesa ao ataque sofrido pelo sujeito. Aquele que
se defende não pode raciocinar friamente e pesar com perfeito e incomensurável
critério essa proporcionalidade, pois no estado emocional em que se encontra
não pode dispor de reflexão precisa para exercer sua defesa em equipolência
completa com a agressão. Não se deve fazer, portanto, rígido confronto entre o
mal sofrido e o mal causado pela reação, que pode ser sensivelmente superior ao
primeiro, sem que por isso seja excluída a justificativa, e sim entre os meios
defensivos que o agredido tinha a sua disposição e os meios empregados, devendo
a reação ser aquilatada tendo em vista circunstância do caso, a personalidade
do agressor, o meio ambiente etc. A defesa exercita-se desde a simples atitude
de não permitir a lesão até a ofensiva violenta, dependendo das circunstâncias
do fato, em razão do bem jurídico defendido e do tipo de crime em que a repulsa
se enquadraria (FABBRINI, Renato; MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte
geral. 24. ed. v. I. São Paulo: Atlas, 2008. p. 181).
Caso a agressão seja
injusta e o agente se exceder responderá por este excesso. Em decisão de 13 de junho de 1995, o ministro MELLO, do STF – Supremo Tribunal Federal assim se referiu:
“No recurso em sentido estrito, o
Recorrente pleiteou o reconhecimento da legítima defesa putativa em seu
benefício, pretensão que foi afastada porque: ‘Não obstante, à data do fato, o
réu, previamente armado, portando faca e revólver, dirigiu-se a Mauro,
desferindo-lhe dois (2) tiros e ainda dando-lhe chutes. Acrescente-se que não
há prova que revele atuar anterior imediato da vítima a conduzir ao recorrente
a proteção de putativa’ (fls. 163). Verifica-se,
assim, a improcedência da afirmativa, de que
desfundamentado o aresto recorrido, pois afastada a legítima defesa putativa
diante da ausência de provas de sua
ocorrência” (AI n. 168955 – MG, 1995).
A
excludente de ilicitude por legítima defesa é a mais antiga que se observa na
legislação, a qual se dá em impedir pela força a violação injusta e iminente de
um interesse tutelado, como cita Marcello Jardim Linhares diz; “Antes de vir
consignada em códigos, já existia como lei da natureza, como norma decorrente
da própria constituição do ser, dessas que o homem recebe antes de se
estabelecer em sociedade” (LINHARES, Marcello Jardim. Legítima Defesa. 1. ed. v.
4. Rio de Janeiro: Forence, 1992).
5.3.
Estrito Cumprimento de
Dever Legal
Essa causa de exclusão da
ilicitude se efetiva quando alguém age consoante os limites impostos pela lei,
cumprindo um dever, não podendo ao mesmo tempo responder por essa ação como se
crime praticasse.
Como o estrito cumprimento de dever legal não foi dado
pelo Código Penal, resta à doutrina o papel de conceitua-lo como excludente de
ilicitude como: a lei não pode punir a quem cumpre um dever que ela impõe.
Segundo BITENCOURT:
“Quem pratica uma ação em cumprimento de dever imposto pela lei não comete
crime. Ocorrem situações em que a lei
impõe determinada conduta e,
em face da qual, embora típica, não será ilícita, ainda que cause lesão a um bem
juridicamente tutelado. Nessas circunstâncias, isto é, no estrito cumprimento de dever
legal, não constitui
crimes a ação do carrasco que executa a sentença de morte, do carcereiro que
encarcera o criminoso, do policial que prende o infrator em flagrante delito
etc. Reforçando a licitude de comportamentos semelhantes,
o Código de Processo Penal estabelece que, se houver resistência, poderão os executores usar dos
meios necessários para
defenderem-se ou para vencerem a resistência (...) (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 12. ed. v.I. São
Paulo: Saraiva, 2008. 762 p)
Essa excludente tem o dever legal de restringir
a abrangência da norma aos deveres impostos pela lei inscritos no inciso III do
artigo 23 para evitar o abuso de autoridade. Caso haja excesso, o agente
responderá por dolo ou culpa.
5.4.
Exercício Regular de
Direito
O exercício regular de direito é
outra causa excludente da ilicitude em que se um comportamento ou ação é
permitida, é tida como um direito, não pode ser proibida. Significa dizer que
um comportamento não pode ser um direito e um crime ao mesmo tempo. Sobre esta
questão, explanam Saffaroni e Pierangeli: Mas esta
"permissão" para repelir a agressão, ilegítima e não provocada, não
implica que o direito fomente e muito menos que nos ordene semelhante conduta.
Simplesmente, nestas hipóteses conflitivas, a ordem jurídica limita-se a
permitir a conduta, porque não se pode afirmar que incentive que um homem que
pode fugir prefira matar. O incentivo da conduta homicida seria bastante
anticristão. (ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de
direito penal brasileiro. 9. ed. rev. e atual. São Paulo (SP): Revista dos
Tribunais, 2011. p. 401-402.)
De
acordo com a teoria da tipicidade conglobante citada pelos autores acima
aludidos, o fato típico requer que a conduta esteja proibida pelo ordenamento
jurídico considerado como um todo. Se, portanto, algum ramo do direito permitir
o comportamento, o fato será considerado atípico. O direito é único e deve ser
considerado globalmente, independente de sua esfera (por isso a ordem é
conglobante).
E ainda sobre o exercício regular do direito, Zaffaroni e Pierangeli concluem contundentemente:
É precisamente esta a mais importante
diferença entre a tipicidade conglobante e a justificação: a atipicidade
conglobante não surge em função de permissões que a ordem jurídica
resignadamente concede, e sim em razão de mandatos ou fomentos normativos ou de
indiferença (por insignificância) da lei penal. A ordem jurídica resigna-se a
que um sujeito se apodere de uma joia valiosa pertencente a seu vizinho, e que
a venda para custear o tratamento de um filho gravemente enfermo, que não tem
condições de pagar licitamente, mas ordena ao oficial de justiça que apreenda o
quadro e lhe impõe uma pena se não o faz, fomenta as artes plásticas, enquanto
que se mantém indiferente à subtração de uma folha de papel rabiscada.
(ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal
brasileiro. 9. ed. rev. e atual. São Paulo (SP): Revista dos Tribunais, 2011,
p. 402.)
O Colégio
recursal do município de Ji-Paraná, no Estado de Rondônia, valeu-se da teoria
da tipicidade conglobante quando no ano de 2006, defrontou com recurso
interposto contra sentença prolatada na 1ª Vara do Juizado Especial Criminal do
município de Espigão do Oeste/RO, relativa à denúncia do Ministério Público da
prática do exercício ilegal da medicina por parte do recorrente conforme a
seguinte ementa:
CRIMINAL.
OPTOMETRISTA. PREVISÃO LEGAL. EXERCÍCIO ILEGAL DE MEDICINA. NÃO CONFIGURAÇÃO.
REFORMA DA SENTENÇA. ABSOLVIÇÃO. Em sendo expressamente prevista a profissão de
optometrista pelo Decreto n.º 20.931/32, e sendo as atividades praticadas pelo
réu descritas na Classificação Brasileira de Ocupações – CBO, editada pelo
Ministério do Trabalho e Emprego através da Portaria n. 397 de 09/10/2000, não
há que se falar em exercício ilegal da medicina, ante a existência de norma
autorizadora no Ordenamento Jurídico, prestigiando-se assim, o Princípio da
Tipicidade Conglobante, impondo-se a reforma da sentença condenatória para
absolver o recorrente. (146 Tribunal de Justiça de Rondônia. Turma Recursal.
Recurso Criminal n. 100.008.2004.003360-8. Relator: Marcos Alberto Oldakowski.
Ji-Paraná, 16 de outubro de 2006.
http://www.tjro.jus.br/apsg/faces/jsp/apsgDetalheProcesso.jsp. Acesso em: 04 de
outubro 2014)
Assim,
seria contraditório o Estado-juiz criminalizar uma conduta que o Estado, em sua
composição global, autoriza e fomenta. As últimas duas excludentes, o
estrito cumprimento de um dever legal (ordem) e o exercício regular de um
direito (fomento ou permissão), com algumas particularidades podem ser
atendidas pela teoria da tipicidade conglobante.
São
essas as causas legais que podem excluir o caráter ilícito de um comportamento
proibido pelas normas penais. É necessário
entender como é possível obedecer aos objetivos do direito sem desrespeitar os
limites da lei, ou seja, não abusar do direito.
6.
Considerações
finais
A causa excludente de antijuridicidade
confere que uma ação, mesmo típica, caso possua uma causa de justificação, terá
seu caráter de ilicitude excluído e não causará uma pena. Portanto, a ilicitude
de um ato só é constatada quando não concorrer qualquer excludente de
antijuridicidade já delineada pelo ordenamento jurídico vigente.
Pode-se afirmar que se, e somente se, um
dos três elementos do crime (fato típico, ilícito e culpável) não estiver
presente, o agente não poderá incutir penalidade. A ilicitude (contrariedade da
conduta a norma penal incriminadora) é um fator imprescindível, essencial
mesmo, para tal fato, visto que um fato típico é ilícito.
São essas causas legais, estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento de dever legal e
exercício regular de direito, que
podem excluir o caráter ilícito de um comportamento proibido pelas normas
penais.
Abstract
This article aims to search for the causes of objections expressly
referred to exclusive in our legal system, in the Brazilian Penal
Code, in its article 23 looking for emphasize their legality and efficiency in
the Brazilian reality. The exceptional character antijurídico withdrawal of a
conduct typified as criminal is the exclusion of unlawfulness. Unlawfulness
that is all that is contrary to the law, the law. The exclusive causes of
unlawfulness may exempt an individual awareness of a fact practiced by an
individual that the practice under certain circumstances. These causes that
disclaim crime are: State of necessity, self-defence, strict fulfilment of
legal duty and regular exercise of law.
Keywords: exclusive of unlawfulness, crime, law
Referências Bibliográficas
AI n. 168955 – MG. Relator: Ministro Celso de Mello.
Supremo Tribunal Federal, Brasília, jun. 1995. Disponível em: . Acesso em: 27 nov. 2009.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado
de Direito Penal: parte
geral. 12. ed. v.I. São Paulo: Saraiva, 2008. 320 p.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado
de Direito Penal: parte
geral. 12. ed. v.I. São Paulo: Saraiva, 2008. 762 p
BRASIL.
Código Penal, Senado Federal. Decreto-lei 1.004/1969. Disponível
em:<http://www6.senado.gov.br/sicon/ExecutaPesquisaBasica.action>.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de
1988. São Paulo, Saraiva, 2004.
COSTA JÚNIOR, Paulo José. Direito
Penal: curso
completo. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. 772 p.
http://www.tjro.jus.br/apsg/faces/jsp/apsgDetalheProcesso.jsp.
Acesso em: 04 de outubro 2014
FABBRINI, Renato; MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral. 24. ed. v. I. São
Paulo: Atlas, 2008.
GRECO, Rogério. Curso
de Direito Penal: parte
geral. 7. ed. v. I. Rio de Janeiro: Impetus, 2006. 823 p.
LINHARES, Marcello
Jardim. Legítima Defesa. 1.
ed. v. 4. Rio de Janeiro: Forence, 1992.
DINIZ,
Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil. Ed. Saraiva. 11ª ed., p. 139
MARQUES,
José Frederico. Tratado de Direito Penal.
1. ed. v. 1. São Paulo: Millennium, 2002
NORONHA, E. Magalhães. Direito
Penal: parte
geral. 37. ed. v. I. São Paulo: Saraiva, 2003. 387 p.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual
de Direito Penal: parte
geral e especial. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. 1072 p.
PRADO, Luiz Régis. Bem
jurídico penal e constituição. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1997
TOLEDO,
Francisco de Assis. Princípios
Básicos de Direito Penal. 5. ed. v. 1. São Paulo: Saraiva. 1994.
ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique.
Manual de direito penal brasileiro. 9. ed. rev. e atual. São Paulo (SP):
Revista dos Tribunais, 2011. p. 401-402.