sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Estudo sobre a Declaração da Virgínia


Introdução

Na história nos deparamos, já nos primórdios tempos, antes da era cristã, com a busca dos direitos do homem, inicialmente como uma forma de limitar, reduzir o poder arbitrário dos soberanos. Buscava-se o fortalecimento do homem em seus direitos, reafirmando seus ideais de liberdade, dignidade, fraternidade e justiça. Ninguém, em qualquer tempo ou lugar pode se ver tolhido, cerceado, em seus direitos e claramente, vemos em sua evolução histórica que ele não é estático, progredindo e retrocedendo em todos os tempos.
Pode-se citar o Código de Hamurabi, A Lei das Doze Tábuas, o Alcorão, os escritos de Buda, Confúcio e Zoroastro. Os direitos individuais dos homens surgiram no antigo Egito ou na Mesopotâmia. O Código de Hamurabi foi o primeiro a relatar os direitos comuns aos homens, como à vida e à dignidade. Em seguida aparecem na Grécia os ideais de igualdade e liberdade do homem. Porém, foi o direito romano que estabeleceu uma relação entre os direitos individuais e o Estado. A Lei das Doze Tábuas, uma criação romana, foi a origem escrita dos ideais de liberdade e de proteção dos direitos dos cidadãos.
Foi durante o século XVII que a colonização dos Estados Unidos desenvolveu-se, quase um século depois da colonização portuguesa e espanhola na América. A procura de liberdade religiosa, os conflitos políticos na Europa, a procura de melhores condições de vida e o crescimento do comércio, foram as principais razões que motivaram a vinda de grandes levas de colonos, principalmente ingleses, para a América do Norte, fixando-se na costa do Oceano Atlântico, fazendo surgir as treze colônias inglesas.
Antes da Independência, os EUA eram formados por treze colônias controladas pela metrópole: a Inglaterra. Essas colônias inglesas na América do Norte dividiam-se em três grandes grupos, o norte, o centro e o sul, esse último composto por quatro colônias: Maryland, Carolinas, Geórgia e Virgínia.
 Inicialmente, os ingleses colonizaram a parte leste do país, banhado pelo oceano Atlântico. Logo depois a parte central foi colonizada pela França e a parte sudeste e sudoeste pela Espanha. Em 1584, a rainha Elizabeth I da Inglaterra deu permissão a Walter Raleigh para que este explorasse e colonizasse a região que atualmente constitui a Virgínia. Em nome da rainha, Raleigh fez algumas explorações na costa americana, e reivindicou a região que estende-se desde a Carolina do Sul até o Maine para o Reino Unido. Em homenagem à rainha Elizabeth, também conhecida como "Rainha Virgem", Raleigh nomeou esta imensa área, que posteriormente desenvolver-se-ia em doze distintas colônias, com o nome Virginia... Virgínia, fundada em 1606, era uma colônia de excelsas propriedades, voltada ao cultivo de produtos agrícolas direcionados à exportação, principalmente o tabaco.

Contexto histórico e filosófico

A Declaração dos Direitos da Virgínia é uma Declaração de Direitos que se inscreve no contexto da luta pela Independência dos Estados Unidos da América. Precede a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América e, como ela, é de nítida inspiração Iluminista.
Com a influência iluminista cujo ápice se deu após a Guerra dos Sete Anos entre França e Inglaterra, quando a Coroa impôs tributos altíssimos à colônia os ideais de John Locke foram o ponto de partida para o liberalismo inglês do século XVIII, sustentando a existência de leis naturais do contrato entre governantes e governados e da autonomia entre os poderes do Estado, ambos fundamentais à liberdade humana.
Assim, a Declaração dos Direitos da Virgínia foi instrumento de divulgação dos ideais iluministas usando imprensa escrita e panfletos. Planejavam redigir um documento para respaldar a insubordinação à Coroa, mas não pretendiam aparecer para a opinião pública da Europa como um bando de arruaceiros amotinados contra o rei.
Thomas Jefferson liderou esse movimento de independência a partir do Porto de Boston. EUA eram povoados por religiosos dissidentes que haviam saído da Inglaterra no navio Mayflower, bem instruídos e com concepção filosófica calvinista, tratavam-se de líderes que mudaram a história dos direitos do homem. Era um povo velho dentro de um país novo.

Relação da Declaração dos Direitos da Virgínia com os direitos fundamentais

José Afonso da Silva (2000, p. 176-177), afirma que os direitos fundamentais surgem em função de reivindicações e lutas pela conquista de direitos, mas apresenta como pressupostos duas categorias de condições, a saber: condições reais (ou históricas), onde às declarações do século XVIII manifestaram-se na contradição entre o regime da monarquia absoluta e degenerada e o surgimento de uma sociedade tendente à expansão comercial e cultural; e condições ideais (ou lógicas), consistindo nas diversas fontes de inspiração filosófica anotadas pela doutrina francesa, tais como o pensamento cristão, o direito natural e o iluminismo.
No entanto o fator de maior relevância na evolução histórica dos direitos fundamentais dá-se pelo fato deles terem iniciado com um caráter fortemente restrito e, após, constituindo-se de forma ampla e abrangente. (FERRAJOLI, 1999, p. 41).
As declarações de direitos fundamentais constituem, a partir do século XVIII, um marco jurídico, onde vários direitos individuais são positivados/normatizados para salvaguardar algumas garantias gerais e também alguns privilégios para um determinado grupo de pessoas. As Declarações são obra do pensamento político, moral e social de todo o século XVIII (SILVA, 2000, p. 161), destacando-se as profundas influências de pensadores como Locke, Rousseau e Montesquieu.
A Declaração da Virgínia foi a primeira Declaração de direitos em sentido moderno do termo e é anterior à Declaração de Independência dos EUA.
Além de preocupar com as liberdades, a Declaração preocupava-se basicamente com a estrutura de um governo democrático, com um sistema de limitação de poderes, tornando-se um marco para os direitos fundamentais. (SILVA, 2000, p. 158)
De acordo com a Declaração dos Direitos da Virgínia haveriam que ser proclamados os direitos dos cidadãos em face dos governantes e, de modo geral, direitos dos cidadãos em face do poder estatal. Foram proclamados, por exemplo, direitos de liberdade e também direitos de participação política, afirmando-se a necessidade de que a todos fosse resguardada oportunidade para participarem das decisões de interesse comunitário, ainda quando devessem ser tomadas por delegados. Nessa perspectiva restou afirmado, por exemplo, já no artigo 1º daquela declaração, que [...] todos os homens são, por natureza, igualmente livres e independentes e têm certos direitos inatos, dos quais, quando entram em estado de sociedade, não podem por qualquer acordo privar ou despojar seus pósteros e que são: o gozo da vida e da liberdade com os meios de adquirir e de possuir a propriedade e de buscar e obter felicidade e segurança.
Situação nítida de reconhecimento do direito de liberdade, afirmado inato a cada indivíduo. Além disso, a liberdade de ir e vir, representada pela condenação criminal com imposição de pena privativa de liberdade, o direito à própria vida, quando se admitisse a pena capital e os direitos que deveriam ser resguardados eram objeto de solene declaração também no terreno da persecução penal.
Assim, por exemplo, no artigo 8º da Declaração, proclamaram seus redatores que todo acusado do cometimento de um crime tinha os seguintes direitos:
– conhecimento da causa e da natureza da acusação;
– acareação com seus acusadores e testemunhas;
– indicação de provas que pretendia produzir em seu favor;
– julgamento rápido;
– julgamento por um júri imparcial composto por doze homens de sua comunidade;
– condenação unicamente se ela fosse proclamada pela unanimidade dos doze jurados;
– direito de não se auto acusar, ou direito de não testemunhar contra si próprio;
– direito de não ser privado de sua liberdade, salvo por mandado legal do país ou por julgamento de seus pares.
Na Declaração se afirmava também que “todo poder é inerente ao povo e, dele procede” (artigo 2º), deixando claro que se deveria assegurar a cada qual o direito de participar da condução dos assuntos comunitários, ainda que fosse por representantes, devendo as eleições ser livres.
Quanto à liberdade e à igualdade, proclamava-se já no art. 1º da declaração que “os homens nascem e são livres e iguais em direitos”.
No art. 4º, procurava-se conceituar a liberdade, afirmando que esta consistia em poder fazer tudo que não prejudicasse o próximo.
Inseriu-se na Declaração que para garantia dos direitos do homem, havia a necessidade de uma força pública, instituída para a fruição de todos, e não para utilidade particular daqueles a quem fosse confiada.
No âmbito da participação política, afirmava para logo o art. 3º da Declaração que o princípio de toda soberania residia essencialmente na nação, afirmando-se no art. 6º, não só que a lei seria expressão da vontade geral, como também que todos os cidadãos teriam direito a concorrer, pessoalmente ou por intermédio de mandatários, para a respectiva formação.


Considerações finais


Observa-se, concluindo os estudos sobre a Declaração da Virgínia, a positivação histórica dos direitos fundamentais e a evolução do constitucionalismo pátrio no aspecto de consolidação legal destes direitos.
O referido documento possui 18 artigos cuja redação abrange direitos natos da pessoa, soberania popular, onde todo o poder emana do povo; igualdade perante a lei, sem distinção de classes sociais, religião, raça ou sexo; igualdade de condição política de todo o cidadão, qual seja, que toda pessoa pode aspirar a um cargo de governo; somente os cidadãos que demonstrem a sua condição de proprietário é que, são legitimados a votar; direito e proteção à liberdade de imprensa e instituição do tribunal do júri.
A Declaração em estudo foi a Primeira Declaração de Direitos Fundamentais em sentido moderno, inspirada nas teorias e de Locke, Rosseau e Montesquieu, estabelecendo as bases dos Direitos Humanos, preocupando com a estrutura de um governo democrático, com sistema de limitações de poderes do rei e estabelecendo a supremacia do Parlamento, cuja limitação se dava em virtude da noção da existência de direitos imprescritíveis. Esta declaração tornou-se um verdadeiro modelo ético a partir do qual se pode ver a legitimidade dos regimes de governos mensurada e contestada.
A Declaração da Virgínia, fruto da Revolução Americana – visava restaurar os antigos direitos de cidadania tendo em vista os abusos do poder monárquico sendo um marco do nascimento dos direitos humanos na história com reconhecimento da igualdade entre os indivíduos pela sua própria natureza e do direito à propriedade.
Declaração de Direitos da Virgínia - elaborada em Williamsburg (EUA), aos 12 de junho de 1776 estabeleceu que: todo poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido e que todo ser humano é titular de direitos fundamentais, como o direitos à vida, à liberdade, à busca da felicidade e o direito de resistência.
A referida Declaração precedeu a Declaração de Independência dos EUA em 4 de julho de 1776, seguindo-se da Constituição dos Estados Unidos da América, de 17/09/1787.
Insta dizer que, na atualidade, impõe-se como maior desafio a efetividade de tais direitos, para que se possa viabilizar, concretamente, a todos os indivíduos a garantia e proteção dos seus direitos constitucionalmente consagrados ao longo da história da civilização humana.



Referências Bibliográficas

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. de Carlos Nelson Coutinho. Nova ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
FERREIRA Filho, Manoel G. et. alli. Liberdades Públicas. São Paulo, Ed. Saraiva, 1978.
FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantías. La ley del más débil. Madrid: Trotta, 1999.
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LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. Trad. de E. Jacy Monteiro. In. Col. Os Pensadores. V. 18. São Paulo: Abril, 1973.
KANT, Immanuel. Crítica da razão pura e outros textos filosóficos. Trad. de Valério Rohden et al. In. Col. Os Pensadores. V. 25. São Paulo: Abril, 1973.
MADRID. Universidad Complutense, 1973, traduzido do espanhol por Marcus Cláudio Acqua Viva. APUD.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
http://historia11alfandega.blogspot.com.br/2013/06/declaracao-dos-direitos-da-virginia.html

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