Introdução
Na história nos deparamos, já nos primórdios tempos, antes da
era cristã, com a busca dos direitos do homem, inicialmente como uma forma de
limitar, reduzir o poder arbitrário dos soberanos. Buscava-se o fortalecimento
do homem em seus direitos, reafirmando seus ideais de liberdade, dignidade,
fraternidade e justiça. Ninguém, em qualquer tempo ou lugar pode se ver
tolhido, cerceado, em seus direitos e claramente, vemos em sua evolução
histórica que ele não é estático, progredindo e retrocedendo em todos os
tempos.
Pode-se citar o Código de Hamurabi, A Lei das Doze Tábuas, o
Alcorão, os escritos de Buda, Confúcio e Zoroastro. Os direitos individuais dos
homens surgiram no antigo Egito ou na Mesopotâmia. O Código de Hamurabi foi o
primeiro a relatar os direitos comuns aos homens, como à vida e à dignidade. Em
seguida aparecem na Grécia os ideais de igualdade e liberdade do homem. Porém,
foi o direito romano que estabeleceu uma relação entre os direitos individuais
e o Estado. A Lei das Doze Tábuas, uma criação romana, foi a origem escrita dos
ideais de liberdade e de proteção dos direitos dos cidadãos.
Foi durante o século XVII que a colonização dos
Estados Unidos desenvolveu-se, quase um século depois da colonização portuguesa
e espanhola na América. A procura de liberdade religiosa, os conflitos
políticos na Europa, a procura de melhores condições de vida e o crescimento do
comércio, foram as principais razões que motivaram a vinda de grandes levas de
colonos, principalmente ingleses, para a América do Norte, fixando-se na costa
do Oceano Atlântico, fazendo surgir as treze colônias inglesas.
Antes da Independência, os EUA
eram formados por treze colônias controladas pela metrópole: a Inglaterra.
Essas colônias inglesas na América do Norte dividiam-se em três grandes grupos,
o norte, o centro e o sul, esse último composto por quatro colônias: Maryland,
Carolinas, Geórgia e Virgínia.
Inicialmente, os ingleses
colonizaram a parte leste do país, banhado pelo oceano Atlântico. Logo depois a
parte central foi colonizada pela França e a parte sudeste e sudoeste pela
Espanha. Em 1584, a rainha Elizabeth I da Inglaterra deu permissão a Walter
Raleigh para que este explorasse e colonizasse a região que atualmente
constitui a Virgínia. Em nome da rainha, Raleigh fez algumas explorações na
costa americana, e reivindicou a região que estende-se desde a Carolina do Sul
até o Maine para o Reino Unido. Em homenagem à rainha Elizabeth, também
conhecida como "Rainha Virgem", Raleigh nomeou esta imensa área, que
posteriormente desenvolver-se-ia em doze distintas colônias, com o nome
Virginia... Virgínia, fundada em 1606, era uma colônia de excelsas
propriedades, voltada ao cultivo de produtos agrícolas direcionados à
exportação, principalmente o tabaco.
Contexto
histórico e filosófico
A
Declaração dos Direitos da Virgínia é uma Declaração de Direitos que se
inscreve no contexto da luta pela Independência dos Estados Unidos da América.
Precede a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América e, como
ela, é de nítida inspiração Iluminista.
Com a influência iluminista cujo ápice se deu após
a Guerra dos Sete Anos entre França e Inglaterra, quando a Coroa impôs tributos
altíssimos à colônia os ideais de John Locke foram o ponto de partida para o
liberalismo inglês do século XVIII, sustentando a existência de leis naturais
do contrato entre governantes e governados e da autonomia entre os poderes do
Estado, ambos fundamentais à liberdade humana.
Assim, a Declaração dos Direitos da Virgínia foi instrumento
de divulgação dos ideais iluministas usando imprensa escrita e panfletos.
Planejavam redigir um documento para respaldar a insubordinação à Coroa, mas
não pretendiam aparecer para a opinião pública da Europa como um bando de
arruaceiros amotinados contra o rei.
Thomas Jefferson liderou esse movimento de
independência a partir do Porto de Boston. EUA eram povoados por religiosos
dissidentes que haviam saído da Inglaterra no navio Mayflower, bem instruídos e
com concepção filosófica calvinista, tratavam-se de líderes que mudaram a
história dos direitos do homem. Era um povo velho dentro de um país novo.
Relação da Declaração dos
Direitos da Virgínia com os direitos fundamentais
José
Afonso da Silva (2000, p. 176-177), afirma que os direitos fundamentais surgem
em função de reivindicações e lutas pela conquista de direitos, mas apresenta
como pressupostos duas categorias de condições, a saber: condições
reais (ou históricas), onde às declarações do século XVIII
manifestaram-se na contradição entre o regime da monarquia absoluta e
degenerada e o surgimento de uma sociedade tendente à expansão comercial e
cultural; e condições ideais (ou lógicas),
consistindo nas diversas fontes de inspiração filosófica anotadas pela doutrina
francesa, tais como o pensamento cristão, o direito natural e o iluminismo.
No
entanto o fator de maior relevância na evolução histórica dos direitos
fundamentais dá-se pelo fato deles terem iniciado com um caráter fortemente
restrito e, após, constituindo-se de forma ampla e abrangente. (FERRAJOLI,
1999, p. 41).
As
declarações de direitos fundamentais constituem, a partir do século XVIII, um
marco jurídico, onde vários direitos individuais são positivados/normatizados
para salvaguardar algumas garantias gerais e também alguns privilégios para um
determinado grupo de pessoas. As Declarações são obra do pensamento político,
moral e social de todo o século XVIII (SILVA, 2000, p. 161), destacando-se as profundas
influências de pensadores como Locke, Rousseau e Montesquieu.
A
Declaração da Virgínia foi a primeira Declaração de direitos em sentido moderno
do termo e é anterior à Declaração de Independência dos EUA.
Além de
preocupar com as liberdades, a Declaração preocupava-se basicamente com a
estrutura de um governo democrático, com um sistema de limitação de poderes,
tornando-se um marco para os direitos fundamentais. (SILVA, 2000, p. 158)
De
acordo com a Declaração dos Direitos da Virgínia haveriam que ser proclamados
os direitos dos cidadãos em face dos governantes e, de modo geral, direitos dos
cidadãos em face do poder estatal. Foram proclamados, por exemplo, direitos de
liberdade e também direitos de participação política, afirmando-se a necessidade
de que a todos fosse resguardada oportunidade para participarem das decisões de
interesse comunitário, ainda quando devessem ser tomadas por delegados. Nessa
perspectiva restou afirmado, por exemplo, já no artigo 1º daquela declaração,
que [...] todos os homens são, por natureza, igualmente livres e independentes
e têm certos direitos inatos, dos quais, quando entram em estado de sociedade,
não podem por qualquer acordo privar ou despojar seus pósteros e que são: o
gozo da vida e da liberdade com os meios de adquirir e de possuir a propriedade
e de buscar e obter felicidade e segurança.
Situação
nítida de reconhecimento do direito de liberdade, afirmado inato a cada
indivíduo. Além disso, a liberdade de ir e vir, representada pela condenação
criminal com imposição de pena privativa de liberdade, o direito à própria
vida, quando se admitisse a pena capital e os direitos que deveriam ser
resguardados eram objeto de solene declaração também no terreno da persecução
penal.
Assim,
por exemplo, no artigo 8º da Declaração, proclamaram seus redatores que todo
acusado do cometimento de um crime tinha os seguintes direitos:
–
conhecimento da causa e da natureza da acusação;
–
acareação com seus acusadores e testemunhas;
–
indicação de provas que pretendia produzir em seu favor;
–
julgamento rápido;
–
julgamento por um júri imparcial composto por doze homens de sua comunidade;
–
condenação unicamente se ela fosse proclamada pela unanimidade dos doze
jurados;
–
direito de não se auto acusar, ou direito de não testemunhar contra si próprio;
–
direito de não ser privado de sua liberdade, salvo por mandado legal do país ou
por julgamento de seus pares.
Na
Declaração se afirmava também que “todo poder é inerente ao povo e, dele
procede” (artigo 2º), deixando claro que se deveria assegurar a cada qual o
direito de participar da condução dos assuntos comunitários, ainda que fosse
por representantes, devendo as eleições ser livres.
Quanto
à liberdade e à igualdade, proclamava-se já no art. 1º da declaração que “os
homens nascem e são livres e iguais em direitos”.
No
art. 4º, procurava-se conceituar a liberdade, afirmando que esta consistia em
poder fazer tudo que não prejudicasse o próximo.
Inseriu-se
na Declaração que para garantia dos direitos do homem, havia a necessidade de uma
força pública, instituída para a fruição de todos, e não para utilidade
particular daqueles a quem fosse confiada.
No
âmbito da participação política, afirmava para logo o art. 3º da Declaração que
o princípio de toda soberania residia essencialmente na nação, afirmando-se no
art. 6º, não só que a lei seria expressão da vontade geral, como também que
todos os cidadãos teriam direito a concorrer, pessoalmente ou por intermédio de
mandatários, para a respectiva formação.
Considerações finais
Observa-se,
concluindo os estudos sobre a Declaração da Virgínia, a positivação histórica
dos direitos fundamentais e a evolução do constitucionalismo pátrio no aspecto
de consolidação legal destes direitos.
O
referido documento possui 18 artigos cuja redação abrange direitos natos da
pessoa, soberania popular, onde todo o poder emana do povo; igualdade perante a
lei, sem distinção de classes sociais, religião, raça ou sexo; igualdade de
condição política de todo o cidadão, qual seja, que toda pessoa pode aspirar a
um cargo de governo; somente os cidadãos que demonstrem a sua condição de
proprietário é que, são legitimados a votar; direito e proteção à liberdade de
imprensa e instituição do tribunal do júri.
A
Declaração em estudo foi a Primeira Declaração de Direitos Fundamentais em
sentido moderno, inspirada nas teorias e de Locke, Rosseau e Montesquieu,
estabelecendo as bases dos Direitos Humanos, preocupando com a estrutura de um
governo democrático, com sistema de limitações de poderes do rei e estabelecendo
a supremacia do Parlamento, cuja limitação se dava em virtude da noção da
existência de direitos imprescritíveis. Esta declaração
tornou-se um verdadeiro modelo ético a partir do qual se pode ver a
legitimidade dos regimes de governos mensurada e contestada.
A
Declaração da Virgínia, fruto da Revolução Americana – visava restaurar os
antigos direitos de cidadania tendo em vista os abusos do poder monárquico
sendo um marco do nascimento dos direitos humanos na história com reconhecimento
da igualdade entre os indivíduos pela sua própria natureza e do direito à
propriedade.
Declaração
de Direitos da Virgínia - elaborada em Williamsburg (EUA), aos 12 de junho de
1776 estabeleceu que: todo poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido
e que todo ser humano é titular de direitos fundamentais, como o direitos à
vida, à liberdade, à busca da felicidade e o direito de resistência.
A
referida Declaração precedeu a Declaração de Independência dos EUA em 4 de
julho de 1776, seguindo-se da Constituição dos Estados Unidos da América, de
17/09/1787.
Insta
dizer que, na atualidade, impõe-se como maior desafio a efetividade de tais
direitos, para que se possa viabilizar, concretamente, a todos os indivíduos a
garantia e proteção dos seus direitos constitucionalmente consagrados ao longo
da história da civilização humana.
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