Maria Rosilene de Moraes¹
A distribuição de terras
sempre esteve envolta em revoltas e conflitos. O Presidente do Brasil, João Goulart em 1963, em resposta à
pressão oriunda do campo, permite a criação de sindicatos rurais e da
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG).
Depois do golpe militar no Brasil, em 1964,
o general Humberto de Alencar Castelo Branco assumiu a Presidência da República e, não por acaso, a questão agrária foi uma das intervenções primordiais do
novo governo que prometeu a retomada do crescimento econômico e o retorno do
Brasil ao que se poderia dizer “normalidade democrática”.
Ocorrida a ascensão e
permanência do regime militar, o movimento das Ligas é desarticulado e a CONTAG
fica sob intervenção até 1968. O Estatuto da Terra, Lei n. 4.504/1964
reconhecia o direito de propriedade aos que tivessem a posse da terra, os
direitos dos que a arrendavam e também dos que trabalhavam em terra alheia, e ainda,
era adepta da "função social da propriedade", como critério para
desapropriações de terras para reforma agrária no país.
Dessa
forma José de Souza Martins, observa:
Apesar das variações da política
governamental em torno do tema da questão agrária, ao longo destes dezoito anos
de governo militar, esse ponto doutrinário permanece intocado: a despolitização
da questão fundiária e a exclusão política do campesinato das decisões sobre
seus próprios interesses, que redundam basicamente em restrições severas à cidadania
dos trabalhadores do campo. Além, é claro, do banimento da atividade política
do campo, sobretudo a dos grupos populares e de oposição que assumem como
corretas as lutas camponesas (MARTINS, 1982).
Assim, a força política dos proprietários de terra juntamente
com a importância da agricultura para o desenvolvimento brasileiro levou o governo
à modernização da produção rural que diminuía a mão de obra aumentando
significativamente o número de trabalhadores rurais sem-terra, ou, talvez
tivessem terra, mas não tinham recursos para garantir a subsistência de da
propriedade e da família.
Em relação aos direitos humanos, a política do governo ditador
foi condenar a ação de grupos, em geral religiosos, que interferiam na
soberania nacional, e destacar a ação do governo na promoção dos direitos
humanos e sociais.
Jimmy Carter, presidente do EUA, em 1977, chegou a pressionar
o governo brasileiro pela sua responsabilidade nas violações de direitos
humanos.
Em 1985, findando a ditadura militar e recuperando os
direitos civis e políticos no plano nacional não houve diminuição da violência
e da impunidade no campo. Destarte, a reforma agrária ampla foi frustrada.
No período de 1997 e 2009, das 42 denúncias admissíveis em
conformidade com os relatórios anuais da CIDH (Comissão Internacional de Direitos
humanos) 16 estavam relacionadas à questão da terra e à violência no campo:
assassinatos de líderes sindicais rurais e também em evacuação de terras, invasão
de terras indígenas, desrespeito a terras quilombolas, grampos telefônicos de
lideranças rurais, grilagem e uma referente à guerrilha do Araguaia. Nas
decisões de mérito publicadas nesse período, e também no acordo referente a
denúncias de trabalho escravo, o CIDH reconheceu a responsabilidade do Estado
brasileiro nas violações, recomendando, por isso, investimentos na realização
de investigação, punição e indenização das vítimas e seus familiares, ressaltando
a importância de se buscar soluções pacíficas para o problema da terra e maior
eficiência das forças policiais e do Judiciário.
Mediante o crescimento da rede transnacional de apoio dos
grupos de direitos humanos e ambientalistas, a demanda pela terra foi vista
como demanda por um direito humano. Antonio
Canuto e Leandro Gorsdorf defendem veementemente que a terra é um direito
humano, "a partir da leitura e análise de outros direitos e princípios
garantidos em convenções ou tratados internacionais e/ou em Constituições
Nacionais, como o direito à vida e à dignidade da pessoa humana, ao território,
à alimentação e à moradia" (CANUTO; GORSDORF, 2007).
Estes mesmos autores argumentam que a necessidade de se ver a
terra como um direito humano se baseia: 1. na relação da posse da terra com os outros
direitos humanos; 2. na cultura da proteção da propriedade relacionada às necessidades
individuais; 3. numa ideia de território e 4. na relação entre
concentração fundiária e violência no campo no país.
Assim,
a formulação da terra como um direito humano parte de uma interpretação entre
homem e terra permeada pelos movimentos sociais, redes transnacionais e
organizações internacionais, construindo um novo direito humano, e
reinterpretando os direitos humanos como um todo.
O Estatuto da Terra é reforçado pela Constituição Federal quanto à propriedade,
no capítulo dos direitos fundamentais das pessoas (art. 5º, XXII e XXIII) e
responsabiliza o Estado a fazer com que a terra cumpra a sua função social.
A função
social da terra é cumprida quando atende ao mesmo tempo as exigências conforme
art. 186, CF/88, in verbis::
Art. 186. A função social é cumprida
quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus
de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I - aproveitamento racional e
adequado;
II - utilização adequada dos
recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III - observância das disposições que
regulam as relações de trabalho;
II - utilização adequada dos
recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
IV - exploração que favoreça o
bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
III - observância das disposições que
regulam as relações de trabalho;
IV - exploração que favoreça o
bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
Se as
lideranças governamentais não cumprem seu dever de fiscalização das
terras improdutivas, para distribuí-las aos que querem produzir, então os
trabalhadores reivindicam a reforma agrária que deve ser sem violência.
As terras
que não estão cumprindo sua função social podem ser desapropriadas pela União
para realização da reforma agrária segundo o art. 184, CF/88, caput:
Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse
social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo
sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida
agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até
vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será
definida em lei.
No Brasil, mesmo
com os direitos garantidos no Estatuto da Terra de 1964, na Constituição
Federal de 1988 e, mais recentemente, em 1993, na lei nº 8.634, que confirmam o
direito à reforma agrária ainda existem terras em situação irregular quanto à
sua função social e agricultores sem
terra para trabalhar.
Notório é que o direito de propriedade vem sofrendo restrições
tanto no âmbito privado e no público, tendo mais obrigações do que direitos. Insta
salientar que a função social da terra não se limita ao domínio, mas como a
propriedade, deve realizar a sua função social, segundo a Magna Carta, para
implementar o Estado Social e o Estado Democrático de Direito.
Referências bibliográficas
BRASIL.
Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília,
DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.
BRASIL. Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964.
BRASIL. Lei nº 8.634, 12 DE Março
de 1993.
CANUTO, A.; GORSDORF, L. "Direito humano à terra: a
construção de um marco de resistência às violações. In: RECH, D. (coord.)
Direitos humanos no Brasil 2: diagnósticos e perspectivas. Rio de Janeiro:
Ceris; Mahuad. 2007.
MARTINS, J. S. Os camponeses e a política no Brasil.
Petrópolis: Vozes. 1981.
¹ Maria
Rosilene de Moraes.
Centro de Ensino Superior de São Gotardo. Faculdade de Ciências Gerenciais.
Aluna do Curso de Direito. Graduada em Ciências pela PUC/MG. Graduada em
Matemática pelo Instituto ISEED/FAVED. Pós-graduanda em Educação Empreendedora
pela UFSJ. Pós-graduanda em Gestão Escolar pela UFOP. E-mail: rosil_moraes@hotmail.com